Post Tenebras Lux
Carlos Reygadas, México/França/Holanda/Alemanha, 2012

Post Tenebras Lux não deixa de funcionar como um belo contraplano de Luz Silenciosa: se o filme anterior de Reygadas era guiado pela ideia de um milagre divino, tudo aqui é pautado pela presença de um demônio. Para isso, basta o breve plano de uma figura em CGI logo no início do filme: estamos sob o signo do mal. É bom que Reygadas resolva seu “problema” de representação espiritual de maneira tão prosaica e direta, ficando livre para explorar os personagens em suas cenas mundanas. Isso proporciona algum arejamento, sem a mão sufocante que pesava sobre os planos Luz Silenciosa. Há, então, algumas belas cenas, como a avó distribuindo envelopes com dinheiro aos netos durante a festa de família (em troca de lacônicas respostas sobre o que estes pretendem ser quando crescerem – em outras palavras, como se tornarão bem-sucedidos) ou a visita do casal principal a uma casa de swing. Ou ainda a cena em que a esposa canta It’s a dream, de Neil Young, desafinadamente ao piano para o marido em seu leito de morte. Nesta cena em especial, por um momento quase esquecemos do olhar duro que persevera em quase todo o filme, em meio a cenas que nos exibem, um tanto esquematicamente, a perversão do homem e a maldade do mundo. Que fique claro, porém, que o tom aqui jamais é acusatório: me parece que Reygadas simpatiza com aqueles seres, cujos atos de perversão não os torna exatamente maus. O mundo em Post Tenebras Lux é como uma terra abandonada por Deus, onde os homens sucumbem docemente à imoralidade.

Há algo de profundamente incômodo, porém, na derradeira cena do filme, quando um personagem tomado pela culpa decapita a si mesmo com as próprias mãos. Incômodo sobretudo enquanto gesto artístico, porque Reygadas parece mais interessado no efeito inusitado que a cena criará nos espectadores do que com o próprio andamento do filme. É estranho que um filme até então tão pouco dado ao humanismo e tão apegado à exterioridade dos personagens (as próprias margens borradas dos planos pareciam reforçar este olhar externo – filiado, talvez, ao demônio da cena inicial) passe a se interessar, abruptamente, por um conflito interno moral (a culpa) de um personagem secundário. Sejamos francos: Reygadas não dá a mínima para o personagem em questão. A cena tem mais valor plástico do que propriamente cinematográfico. É o raciocínio do bom publicitário, no qual o efeito provocado, o frisson, vale mais do que o filme como estrutura, o trabalho formal. Tudo isso coroado pelo uso desastrado do CGI, que espetaculariza a cena de forma imoral: o CGI, esse mundo gelado onde não há limite para o artista, onde é possível pipocar a cabeça de um personagens num estalar de dedos. Tudo em favor da metáfora cósmica e rasa (o sangue do personagem retorna e se entranha novamente na terra). O fato é que a cena não afasta de si um certo tom de escárnio, um ar zombeteiro de quem deseja chocar plateias de festivais. E para isso Reygadas precisa banalizar, a um só tempo, a morte, a imagem e o CGI.

Calac Nogueira


 Novembro de 2012