O Gebo e a Sombra
Gebo et l'ombre, Manoel de Oliveira, França/Portugal 2012

Algumas observações sobre cinema de Manoel de Oliveira em geral e O Gebo e a Sombra em particular: 

- Oliveira é um dos raros cineastas cujos filmes são pautados pelo plano-sequência sem que isso incorra numa postura de austeridade. Ao contrário, seus filmes são leves, como pinturas a serem saboreadas demoradamente em uma agradável tarde no museu. Essa sensação deriva de uma mistura entre elegância, delicadeza e atenção aos gestos mínimos dos atores (um projeto que irá até o absurdo da cena do jantar de Sempre Bela). Oliveira recupera para o cinema uma certa calma, uma tranquilidade e uma liberdade no gesto de olhar que é essencial e bastante rara numa arte em que nos sentimos frequentemente sufocados pela agitação e pelo hiperestímulo. Dos poucos cineastas capazes de oferecer calma e liberdade semelhantes, penso sobretudo em Éric Rohmer, embora este não fosse essencialmente um pintor como Oliveira, mas um documentarista.

O Gebo e a Sombra é um filme feito de pinceladas: um filme no qual é preciso entrar na imagem, sentir o puro prazer daquelas figuras de luz e sombra saídas diretamente de uma pintura caravagista. O plano-tableau é ampliado e redimensionado para o espaço da própria casa, para que sejamos plenamente acolhidos. Sentimos a aspereza das paredes, a escuridão, a luz que deita sobre os objetos – e, no entanto, nenhuma sensação de claustrofobia! Fica evidente aqui a diferença entre Oliveira e um Sokurov, que também reclama para si o papel de pintor em Fausto: em Oliveira, somos realmente absorvidos pela imagem, enquanto Fausto não deixa de nos provocar um certo distanciamento com sua austeridade glacial. 

- A dramaturgia de O Gebo e a Sombra se dá essencialmente no plano visual. Gebo (Michael Lonsdale) faz todo o esforço possível para manter seu lar a salvo da luz desintegradora da verdade e do mundo – aquela que virá no plano final do filme. Como patriarca, ele zela pelo conforto da penumbra e da escuridão, onde as verdades turvas podem ser vistas como preferirem os olhos daqueles que veem. Mas como se dá esse esforço realizado pelo personagem? Não é, de maneira alguma, sinônimo de luta ou histeria, mas uma constante de absorção das forças negativas do ambiente em pequenos gestos, seja um modo de pousar as mãos ou de desviar a conversa com pequenas contas intermináveis e irrelevantes. Gebo – seu corpo, sua presença – é o elemento de equilíbrio daquela casa.  

- Ricardo Trêpa falando francês será precisamente o elemento perturbador do filme. Não é apenas o que ele fala (“sou um ladrão”), mas também como fala. Oliveira, como sempre, demonstra seu senso de humor raro e absurdo.

Calac Nogueira


 Novembro de 2012