Na Carne e na Alma
Alberto Salvá, Brasil, 2012

Diante de um filme como Na Carne e na Alma, é difícil escapar do elogio da precariedade: a constatação de que edição de som, figurino, direção de arte, correção de cor ou uma câmera melhor no fundo não são mais do que uma maquiagem sobre os corpos. Ora, os corpos neste último filme de Alberto Salvá estão, precisamente, sempre nus. Essa nudez é a matéria primordial do filme e de onde ele tira sua força.

Nenhum espectador sai incólume da violência proporcionada pelo filme. Uma violência que começa nos seus meios de produção e atinge as próprias operações estéticas do filme. A iconografia paupérrima dos estereótipos sociais possivelmente incomodará alguns espectadores, que podem pensar que se trata de algum tipo de comédia involuntária. Tudo é apresentado meio grosseiramente, e leva até algum tempo para entendermos que ela é a menina “rica” e ele o “pobretão” (apenas porque mora em Niterói e escuta samba). Despidos dos adornos figurativos habituais do cinema, os personagens de Na Carne e na Alma não têm, ademais, nada de muito atraente: não são especialmente inteligentes ou sensíveis, não clamam por identificação do espectador (a não ser por sua entrega verdadeira e absoluta). São personagens ordinários, adolescentes atrás de sexo e sem diálogo possível com os pais.

Porque a matéria no filme de Salvá é sempre a mais profunda: no lugar da frivolidade dos estereótipos sociais, o conflito de classes; no lugar do romance adolescente, o amor absoluto; no lugar da paixonite, o erotismo. Há muito não víamos um filme que tematizasse o amor de maneira tão frontal, tão pura. Não me refiro a filmes que apresentem casais ou tramas amorosas, mas que tematizem o amor de fato, no sentido de um estudo sobre a relação de obsessão entre um par. Tudo se passa como se houvesse uma permanente vergonha dos cineastas - brasileiros, sobretudo - em se devotarem a um tema hoje considerado démodé.

Salvá opta por mostrar o amor pela via do erotismo. Não consigo deixar de pensar aqui em como a literatura me parece no geral mais bem resolvida com o erotismo do que os cineastas. No cinema, há sempre o espectro da pornografia que ronda. Somente um cineasta de outra geração para nos oferecer um olhar tão destemido sobre o sexo. É o oposto de um Claudio Assis, que em Febre do Rato aprisiona e aniquila o erotismo sob um verniz artístico pretensioso e vazio. Sem enquadramentos pomposos, o filme de Salvá se devota a seus atores, que protagonizam uma violência eminentemente física. O que é o amor senão a entrega dos corpos a situações que, fora do teto da intimidade, podem soar estúpidas e mesmo ridículas?

A cena capital do filme será nada menos do que a consumação do sexo anal. Chama atenção aqui a opção de Salvá por mostrar o personagem manipulando o lubrificante antes de dar início à penetração. É essa bravura e essa tranquilidade na passagem do insólito ao sublime, do ridículo ao romântico – não apenas aqui, mas em cada imagem do filme – que prova o fato de estarmos diante de um grande cineasta.

***

Em tempo: o filme anda sendo exibido no Canal Brasil atualmente, o que nos leva a crer que dificilmente chegará ao circuito comercial. Aos cinéfilos que não sejam donos de sensibilidades delicadas, nossa recomendação expressa: corram atrás!

Calac Nogueira


 Dezembro de 2012