sombras da noite
Dark Shadows, Tim Burton, EUA, 2012

A primeira colaboração de Depp e Burton foi Edward Mãos de Tesoura, há pouco mais de vinte anos. Em Sombras da Noite o ponto de contato é óbvio: ambos os filmes tratam de uma personagem que chega a um mundo cujas regras desconhece. Aqui, um vampiro é libertado de seu caixão duzentos anos após ser emprisionado encontra seus descendentes no início dos anos setenta e reencontra a bruxa que naquela época o condenou a desaparecer.

Se Sombras da Noite avança de modo um pouco manco, a causa não deve ser apontada para o intervalo temporal do filme no qual se baseia toda a trama, como nos parece num primeiro momento. Esse é, na realidade, um dos pontos altos do filme. O claudicar deste filme está no desenvolvimento de um roteiro fraco e em relapsos aqui e ali que minam a condução de Burton, cineasta dos torpes hérois que jogam tudo pelo amor. A obra desliza sobre assuntos caros a Burton: imortalidade, a ganância (do pai ausente), o abandono na infância (de Victoria), a oposição entre dois mundos (a Liverpool fedida e a promissora embora inóspita América vs. os anos pré-Nixon nos Estados Unidos) e alcança um belo desenho de vários personagens os colocando, pouco a pouco, ao lado do narrador na linha-guia do filme. A decorrência dos relapsos de Burton são estranhas ausências como a de Vicky na parte central do filme, o que dificulta ao espectador a construção de uma ideia de que ela esteja realmente apaixonada por Barnabas. E como são todos personagens bem compostos, só temos a lamentar a falta de mão de Burton aqui.

Sombras da Noite é baseado em uma série televisiva norte-americana que foi transmitida durante pouco mais de cinco anos, mais ou menos da metade dos anos sessenta até o início dos setenta, pouco antes da data em que o Barnabas de Depp acorda em Collinsport. A dissipação de energia do filme (enorme e contínua, a ver já no prológo muito apressado e desconjuntado) e suas repercussões nos desenvolvimentos seguintes mais nos cansam do que qualquer outra coisa, enquanto as cenas insistem em forçar uma relação entre o grotesco e o pudor. Pode-se expressar muito do que é o filme em dizer que suas gags mais bem sucedidas são aquelas que evidenciam o deslocamento temporal do personagem de Depp, com beleza em alguns momentos, quando os lamentos de Depp se transformam num choro gótico ao abaixar a cabeça no teclado de um sintetizador ou na pontuação que Burton dá ao assassinato dos hippies. Mas apenas uma ideia é muito pouco para sustentar quase duas horas.

Flertando com a vulgaridade (é um filme com um certo tom infantil por momentos mas que propõe piadas sexuais em descompasso), a “estranheza” que o universo de Burton um dia representou hoje parece devedora de qualquer inventividade. Algumas oportunidades perdidas. Um velho vampiro bobo busca conselhos com uma adolescente ranzinza fascinada com glam-rock. O que deveria ser engraçado é desagradável porque as interações entre personagens e roteiro são pobres – e nos sequer vemos Barnabas cortejar sua amada, um tema que já foi caro ao cinema. Burton não gasta um minuto de seus cento e vinte desenvolvendo o romance do seu protagonista: supostamente deveríamos enxergar esse amor conquistador nos olhares tragicamente enrugados de Depp (isto é, olhos grandes e maquiagem)? O que é uma soap opera sem complicações românticas? Acredito que grande parte do problema de Burton é o fato dele nunca ter conseguido um roteirista ou um grupo de roteiristas que pudessem trabalhar junto com ele e Depp e contribuir criativamente para seu cinema, então adaptações e remakes são as direções mais óbvias a se tomar (seu principal colaborador é John August, que não exatamente escreveu seus melhores filmes).
           
Como em muitos filmes de Burton, parece haver um interesse maior na criação de um universo do que em tecer os fios da trama narrativa e sua sensação de arrasto prejudica muito a resolução do filme. Talvez as criaturas de Burton sejam simplesmente mais encantadoras quando são derrotadas do que nas vitórias (caso de Sombras da Noite). Há que se investigar o espetacular e o fantástico na obra de Burton. Apesar da extensão de sua obra e repetição de temas que o liguem com essa tradição, seus filmes recentes apontam um caminho difícil a ser vencido até ele dominar seu principal tema.  Se pelo menos John Carpenter tivesse a oportunidade de fazer esse filme...

Marlon Krüger


 Agosto de 2012