O QUARTO DO FILHO
Itália/França, 2001

Saber escutar. Esse é o dilema da profissão de Giovanni. Escutar não a tagarelice do dia-a-dia, mas o ruído de fundo. Apontar que o problema do maníaco sexual não é o vício em sexo, mas a incapacidade de deixar-se amar. Sugerir para a obsessiva-compulsiva que ela pode canalizar sua energia para outra direção que não a autoindulgência. Confrontar o suicida para que ele não fuja da questão que realmente importa.

Saber escutar para viver bem e construir uma delicada rede de segurança, de centralidade, que permita que as coisas façam sentido. Uma rede que o impede de ser consumido pela repetição vazia e autodestrutiva da qual seus pacientes são vitimas. Saber escutar para estar aberto ao mundo, para correr todos os dias, tomar café, e, de repente, se deparar na rua com um carnaval hare krishna. Para Giovanni, parece que tudo vai bem, porque ele acha que sabe escutar.

Até que num domingo, ele convida seu filho Andrea para uma corrida em volta do porto da cidade. No mesmo momento, recebe uma ligação urgente de Oscar, o paciente suicida. Giovanni é convencido a atender prontamente Oscar e deixa o programa com o filho para outra vez.

No instante em que deveriam estar correndo juntos, Andrea morre de embolia, enquanto mergulhava com amigos. Nesse mesmo momento, Giovanni está sentado de costas para o mar, enfadado de ter se deslocado até a casa de Oscar sem um motivo realmente importante. Irene, irmã de Andrea, anda de moto com outros amigos rumo ao jogo de basquete. Paola, a mãe, caminha numa feira de rua. Um leve estranhamento atravessa as três cenas. É o prenúncio trágico da ruína familiar que acompanharemos no restante da narrativa.

O Quarto do Filho tem uma forma simples, linear, quase conservadora. Um melodrama de família que se distancia da postura irônica e autoficcional presente até então na filmografia de Moretti. Mas por debaixo desse convencionalismo, há uma lógica de abordagem que, assim como o dilema de Giovanni, parte da escuta. Ao invés de procedimentos formais chamativos, Moretti se dedica a construir ruídos de fundo. Por isso, a narrativa de O Quarto do Filho parece se desenvolver, mais do que qualquer outra coisa, a partir de abalos subterrâneos, como nas reverberações nos planos de Giovanni, Irene e Paola simultâneos à morte de Andrea, ou na desconfiança que Giovanni tem de seu filho no episódio do roubo do fóssil, ou ainda na simples quebra de uma travessa de vidro colocada sobre o calor do fogão. Reverberações essas que são como o barulho ínfimo de uma teia que se dissolve, como a manifestação de algo oculto que não chega a se tornar linguagem, mas que paira como uma assombração, e que é o real em toda sua falta de sentido. Temos nisso o percurso de dissolução de uma subjetividade, movimento esse que parece ser o principal tema do filme.

Essa dissolução parece encontrar um ponto crítico quanto chega uma carta de Arianna, namoradinha de verão de Andrea. Ela viaja junto com um amigo em direção à França e decide passar na casa dos Sermonti. Para Giovanni, Paola e Irene, ela se torna o último elo de um Andrea virtualmente vivo. Num misto de reconciliação e desapego, enquanto todos dormem, Giovanni guia seu carro na madrugada em direção à fronteira da França, como se estivesse se despedindo. Este gesto, mais do que um passo adiante no processo do luto, é o momento de transição a partir de um mal-estar que se sedimenta em Giovanni. Este mal-estar, elemento que parece atravessar a filmografia de Moretti, coloca seus protagonistas numa condição que, para seguir em frente, precisam aceitar a derrota como algo incontornável. É na impotência, na falta, na crise, na cicatriz, que se encontram Giovanni e os outros anti-heróis do seu cinema. O futuro é sempre incerto.

Cineasta do sorriso sério, Nanni Moretti coloca uma interrogação nesse saber escutar de seu protagonista. O Quarto do Filho, ironicamente um dos seus filmes mais acessíveis, mas também mais sutis, nos lembra justamente desse equilíbrio incerto e quase mudo de que é feito a vida. Saber escutar, parece dizer Moretti, é aceitar que num domingo qualquer tudo pode deixar de existir.

Lucian Chaussard


 Agosto de 2012