Em meio a uma paisagem de rios, montanhas e cachoeiras, que, solenemente filmada sob o ponto de vista dos céus, parece estar sendo recém-inaugurada por deuses que transformaram o Caos em terra, ar e água, surge uma figura à beira de um precipício. Musculosa, nas proporções das esculturas do classicismo grego, assemelha-se, justamente, à representação de um deus da mitologia antiga que ganhou vida, ainda que possua uma coloração doentia. A ação da figura, de tomar um líquido e rapidamente entrar em decomposição, é nebulosa. Propositalmente, sem dúvidas: este é um filme que, como esta breve descrição do epílogo de Prometheus pode dar a entender, pretende envolver o espectador na neblina, atirá-lo no magma em efervescente que é o mundo mitológico em formação. É um filme que trata de origens, iluminado pela luz da contradição.
Ou seja, Ridley Scott propõe-se a recontar as origens da humanidade, subvertendo os elementos do mito de Prometeu, dando-lhes revestimento sombrio e blasfemo. Vejamos: em oposição ao Titã bondoso que criou o homem em semelhança aos deuses e o protegeu, mais tarde, da fúria de Zeus, sendo condenado por isso à dor eterna, aqui temos um criador rancoroso e incomunicável. Quando o grupo de cientistas viaja ao planeta daqueles que os conceberam, encontram um ambiente soturno, acobertado por pesadas nuvens cinzas, que esconde embaixo da terra uma nave de paredes compostas por representações indecifráveis, que formam uma massa de linhas e cores quase nauseantes. Se levarmos em conta a descrição de Ingres sobre a civilização grega, este ponto de partida da arte ocidental, como um "recanto onde sob o mais belo céu as artes e as letras banharam a natureza numa nova luz (...)", o projeto de ressignificação aplicado por Scott fica ainda mais evidente.
Como se não bastasse a ideia bastante desencantada de que homens e deuses não falam, literalmente, a mesma língua. Em uma das cenas mais brutais, vemos Peter Weyland, o velho excêntrico e milionário que cultivou o sonho de descobrir o sentido da vida perguntando diretamente ao criador, finalmente ter esta oportunidade. Como resposta, recebe uma frase em idioma que tanto ele quanto os que o acompanham conseguem compreender apropriadamente. Em seguida, o criador os ataca, matando-os com violência.
Antes desta cena, ficamos sabendo que aqueles que deram luz à humanidade, por algum motivo que não é explicado na narrativa, arrependeram-se do feito e preparavam-se para aniquilar por completo a criação. O pai, ao renegar o filho, está cometendo o pecado ao qual Abraão esteve disposto a perpetuar, mas apenas em caráter de provação. Como castigo, o criador é estuprado por um monstro blasfemo e hediondo, constituído por tentáculos em forma de pênis. Deste estupro pecaminoso, nasce a aberração da natureza que tem como único objetivo a destruição, vista nos filmes da série Alien. O homem – a espécie masculina – é, para Scott, uma criatura vil, monstruosa, assim como os deuses que os fabricaram. Apenas a mulher tem a força suficiente para abortar o mal – a personagem de Naoomi Rapace tira o feto diabólico do próprio corpo à força – e partir em busca dos segredos do universo sem motivos egoístas e mesquinhos como os de Weyland. Entretanto, não se pode ignorar que a nave que salva a humanidade ao colidir com o veículo alienígena é pilotada por três homens. Aí está o último golpe de Scott no mito grego: Prometheus é o nome da nave. Somos salvos não por um deus, mas pela máquina.
Wellington Sari
Agosto
de 2012
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