para roma com amor
To Rome with Love, Woody Allen, EUA/Itália/Espanha, 2012

Este texto será mais uma nota de apêndice do que uma crítica a este filme. Os filmes de Woody Allen não importam por seus insights filosóficos, sua persona, até mesmo suas gags. Isso é particularmente visível nesta fase de filmes europeus, em que ele se instala em uma grife que o projeto lhe garante (o elenco dream team; o institucional turístico) e passa a se preocupar somente com o prazer de encenador, o trabalho de narração. Pois é com a narração que ele percebe algo de ridículo na pele dos atores, o fato de não podermos fugir da pele, de nem mesmo termos consciência da pele. No entanto, longe de estar seduzido pela superfície dos seus atores, ele transmite, ao contrário, uma distância, a distância insolente, que torna a pele algo de descartável, de desprezível. É um olhar externo, extremamente consciente, que se desprendeu de qualquer relação implicada, mútua, com a pele. Um exemplo, para falarmos de Para Roma com Amor: um close em Ellen Page na primeira conversa a sós com Jesse Eisenberg. Neste momento, sentimos que a pele é uma atuação e que ela está a sós em um espaço mais amplo que não a acolhe.

Este olhar externo, onisciente, tem como grande desejo o de transmitir com as próprias coisas a sensação de um palco montado. O trabalho de Allen consiste em deixar o vento ou um Sol lateral serem os metteur en scène, ou fazer com que a edição de som, homogênea e cristalina, sempre baixa e ao fundo, aquilo que os técnicos chamam de “cama”, ser o palco. O mesmo vale aos atores, e eis porque o tema do egoísmo, do enclausurar-se em si mesmo, é constante, talvez até inevitável para ele. É também por causa disso que, quanto mais tipificado, mais superficial, forem seus personagens (devido aos roteiros cada vez mais comumente classificados de “preguiçosos”), mais fechados em si eles estarão e menos terão a chance de comunhão com os outros. Isso é particularmente perceptível em Para Roma com Amor, que encerra a tendência, pós-Vicky Cristina Barcelona, de concluir com o happy end amoroso. Mais cínico – ou, como eu prefiro dizer, mais realista –, aqui o sexo predomina sobre o amor. Não há nenhuma comunhão entre os personagens, no máximo o do casal italiano, que, de todo modo, guardam para si seus segredos e preferem terminar também na cama.

Interessa-me pouco o fato de que o roteiro tem uma espécie de autoconsciência da posição midiática do filme e do próprio Allen como sujeito do mercado internacional. Não só não interessa “ler” bem o filme, como também acredito que esta autoconsciência, impressa no roteiro, torna-se jogo de espelho demais, vertigem de duplicação, algo que inexiste no olhar imóvel de Allen como diretor.

Por fim, se há alguma razão do porquê Allen não é, de fato, um cineasta, somente um artesão, não será por esta “preguiça” como roteirista, mas sim porque, como cronista, ele parece embaralhar o olhar duro da contemplação de desprezo, com aquele dar-se de ombros, de uma alegria mais fácil, talvez fácil demais, aquela da resignação passiva e debochada, e certamente menos ambiciosa (ou nada ambiciosa). Eis o que o separa de um verdadeiro cineasta.

João Gabriel Paixão


 Agosto de 2012