NA ESTRADA
On the road, Walter Salles, EUA/França/Brasil, 2012

O maior problema de Na estrada, ao menos no que concerne ao formato de road movie, parece estar na sua incapacidade de tornar marcante os espaços percorridos por seus personagens. Seja no México, em Nova York, em Denver ou em paradas intermediárias, temos sempre a impressão de estarmos num espaço homogêneo. Na cabeça, ficam muito mais os sinais de reconstituição de época do que uma sensação dissipada dos espaços. Daí que, como exceção, uma das melhores cenas do filme seja aquela em que os personagens chegam à casa de Old Bull Lee (Viggo Mortensen). É quando, saídos da beleza indiferente da estrada, eles mergulham num ambiente de fato, dotado de alguma estranheza própria que os afeta.
 
Mas este não seria, claro, um filme de Walter Salles se tudo não viesse embebido por uma placidez que é quase preguiça, pela beleza fácil que transforma personagens em belos arranjos diante da câmera. Toda a condição material que pauta as viagens de Sal no livro de Kerouac – o dinheiro calculado, o flerte com a fome, a falta de teto – evapora no filme. Não importa que haja planos aqui e ali pontuando dificuldades financeiras (Sal vendendo o relógio do pai, Sal recebendo o pagamento da coleta de algodões) se isso não é assumido como substância crítica pela mise en scène. Os planos não serão mais do que meras indicações de roteiro. Diz muito sobre o filme, aliás, o fato de que na maior parte das vezes essa questão material apareça reduzida a um slogan brincalhão (“Como diz o presidente Truman, é preciso cortar custos”).

Se há algum esforço a ser destacado, é aquele focado nos personagens. Temos algumas boas atuações e duas ou três cenas que resolvem razoavelmente bem a relação entre eles (Dean deixando Camille, Dean retornando no final). Ainda assim, o condensamento imposto pelo material do livro não deixa de gerar algumas sequências constrangedoras, como aquela com Alice Braga, reduzida a alguns poucos planos (no livro, trata-se de uma sequência de capítulos bastante intensos). O problema aqui, no entanto, talvez seja menos de síntese do que de foco. De todos os elementos de tensão daquele romance (relação inter-racial, contato frontal com a pobreza), é espantoso que Salles prefira se concentrar em planos do irmão mais novo da personagem durante a cena de sexo entre ela e Sal. O que se passa na cabeça de um cineasta que decide filmar aquilo é algo que permanece, para mim, um mistério.

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Cada plano de Na estrada é um triunfo de sua fotografia colorida, de suas paisagens, das escolhas de “bom gosto” da direção. Mas, hoje, todos são cineastas ou fotógrafos amadores. Todos produzem suas imagens lindas – granuladas, retrôs, coloridas – não muito diferentes daquelas do filme de Salles. Nesse cenário, é preciso que o cinema, mais do que nunca, nos ofereça alguma coisa a mais, dentro da imagem. Algo transborde para fora da tela. É aí que a placidez de Salles revela, no fundo, sua preguiça e sua inércia. O mundo do qual ele parte previamente é bonito demais para que ele se digne a fazer qualquer esforço na imagem. Preso entre sua própria inércia e o cânone congelante do livro de Kerouac, Salles entrega um filme sem personalidade, tão correto que é simplesmente incapaz de ultrapassar a barreira de uma “literatura filmada”.

Calac Nogueira


 Agosto de 2012