O que importa realmente em Millenium – Os Homens que não amavam as mulheres? O cinema, somente o cinema. Para um filme de suspense e mistério, falta-lhe o elemento surpresa, a originalidade do engenho, o elã da solução. Sem essas distrações, que Fincher sabe intrínsecas ao fenômeno comercial da obra literária e até mesmo à versão cinematográfica anterior, não há outra motivação senão estilística – poderíamos dizer autoral, mas o que é o estilo senão o homem?
Fincher parece gostar de trabalhar com materiais pré-existentes, que lhe forneçam o background necessário para ir direto ao ponto, sem maiores delongas. Do território conhecido dos serial killers (Seven – Os sete pecados capitais) ao mundo violento das corporações (Clube da Luta e Vidas em Jogo), ele quer a manchete do momento, os recortes mais mundanos para empilhá-los um a um, à exaustão, até que essa vertigem de dados familiares nos pareçam estranhos.
Tome-se o exemplo de sua obra-prima, Zodíaco. É impressionante o número de informações que seus protagonistas reúnem sobre o assassino do zodíaco (personagem real e midiático que assombrou São Francisco durante os anos 1970). Mas em meio ao mosaico de possibilidades, da profusão de pistas, nenhuma leva a nada. E o paradeiro? Quem é afinal o psicopata? Tudo isso permanece um enigma. Essa espécie de obsessão arquivista é o motor do filme, é o que leva o espectador e as personagens do fascínio à perdição.
Em seguida, Fincher faria O Curioso Caso de Benjamim Button, incompreendido afresco temporal a partir do conto clássico de Scott Fitzgerald, outro filme prodigioso em acumular fatos e situações de uma vida que corre ao contrário. Não seria diferente com A Rede Social, novo caso de apropriação de informações. Só que aqui é o seu compartilhamento que cria um espiral de disputas milionárias, traições e solidão.
Millenium – Os homens que não amavam as mulheres se alimenta desse magma incandescente dos detalhes, das peças sobrepostas em escala numérica e progressiva. São tantas tramas, situações e segredos em torno de uma investigação que, como bem gosta de fazer Fincher, a história vai se esvaziando até o banal mais completo.
Resta o percurso, o horror da violência, a opressão familiar, o mecanismo da perversão exposto desde suas entranhas, mas, há, sobretudo, essa admirável garota com tatuagem de dragão, com sua fragilidade física e agressividade. Ela que, ainda não inteiramente convicta de sua misantropia, faz o movimento, não simplesmente de aclaramento e descoberta, mas de desvelo em direção ao outro pelas trilhas mais soturnas e desesperançadas. Seria uma história de amor, não fosse um filme de David Fincher. Seria enfim, mais uma história, não fosse o cinema.
Adolfo Gomes
Agosto
de 2012
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