drive
Nicolas Winding Refn, EUA, 2011

Não é apenas o nome que o protagonista de Drive não possui. Nada sabemos do que se passa na sua cabeça ou de seu passado (sua origem familiar, seus amigos). A operação é simples e essencial: suprimir da imagem toda psicologia e todo peso de passado, preservando um presente “puro”, estritamente físico e, principalmente, liso. Essa lógica de supressão já pautava The Driver, o filme de Walter Hill em que Drive é assumidamente inspirado. Mas Nicolas Winding Refn propõe um desdobramento estilístico da aridez física deste filme de 1978. Pois Drive é clean, espaçoso, frontal, chapado. As imagens são achatadas no seu puro contorno. Eis, então, seu primeiro êxito: o filme não afunda na estilização excessiva da qual lança mão. Se a música, a fotografia e mesmo alguns enquadramentos vêm carregados de purpurina pop, a decupagem preserva um certo arejamento e uma leveza. Por trás da pose, há um traço forte que sustenta o filme por baixo.

A precisão deste traço é visível sobretudo no trabalho com os atores. Ryan Gosling e Carey Mulligan são silhuetas em busca de expressividade no seu puro contorno (sorriso, rosto, olhos). A caricatura é explorada na sensualidade do seu próprio traço. De atuações passivas, pétreas, deriva uma expressividade concisa. Às vezes, basta um sorriso deslizando na boca para irradiar a cena. A decupagem despojada de Refn bebe desses pequenos momentos. É quando Drive revela alguma vida por trás de seu neon: por exemplo, quando Carey Mulligan observa em slow motion Gosling levando seu filho no colo pelo corredor ou a cena em que Oscar Isaac, o marido de Mulligan, discursa na festa de boas-vindas. Importa pouco que a maior parte das figuras aqui sejam caricaturas sem nenhuma profundidade (sem psicologia ou passado). Os personagens de Drive são pueris e humanos. 







Há pouco sentido em condenar Drive como um filme B que não “suja as mãos”. O procedimento de Refn é justamente a limpeza, a supressão, o despojamento visando o contorno. E ao contrário de Tarantino, Refn não parte de um imaginário B para transcendê-lo, em busca de um patamar cinematográfico superior. Sua atitude é diametralmente oposta. As imagens superficiais de Drive são a própria verdade do filme – sua única verdade. Isso fica evidente na sequência musical do passeio que Gosling faz com Carey Mulligan e seu filho pequeno na beira de um riacho. Música alta, slow motions, imagens de uma felicidade pueril: essa felicidade chapada é o único horizonte verdadeiro possível para aqueles personagens e para o filme. Não há nada além.

Trata-se de uma mudança de estatuto. O superficial ganha valor de verdade, valor de fundo da imagem. Nesse sentido, Refn se aproxima bastante de Zack Snyder em Sucker Punch, onde a estética dos quadrinhos e a dramaturgia do videogame são alçados à condição mise en scène cinematográfica, ganhando valor-cinema. Mas se Snyder naufraga na sua própria liberdade, com planos-sequências estilizados e inócuos, Refn é, ainda, um artista da decupagem: seu filme tem ritmo, escolhas minuciosas nos ângulos e enquadramentos e, sobretudo, direção de atores. Cada plano do filme existe para ressaltar o puro contorno das coisas. Há um inegável senso de organização nos planos e na montagem.

Não é sem risco que saudamos dessa maneira as qualidades de Drive. Sua puerilidade e sua simplicidade talvez sejam pouco frente ao que o cinema pôde e pode produzir. A prudência crítica nos impele inicialmente a rejeitá-lo. Mas são tempos áridos, os nossos, e o que Refn faz aqui é, sem dúvida, alguma coisa. Não é muito, mas é alguma coisa.

Calac Nogueira


 Agosto de 2012