battleship - a batalha dos mares
Battleship, Peter Berg, EUA, 2012

Ode à diversidade

Não seria exagero dizer que Battleship é o Top Gun do nosso tempo. Ambos têm em comum o fato de serem propagandas tão extremadas de determinado conjunto de ideias, que beiram a paródia. Na obra oitentista, vemos um showcase do arsenal bélico norte-americano, embalado pelo rock and roll e apresentado por atores belos e musculosos. É clara a tentativa de seduzir o jovem em idade de alistamento militar. Ronald Reagan, ator, não poderia, indiretamente, ter outra plataforma que não a do espetáculo para disseminar sua política ultra conservadora, em que a exibição de poderio militar ocupava papel de destaque. Top Gun é excessivo e indomável – e, por isso, muitas vezes caricatural – em um retrato de uma sociedade também excessiva e caricatural (ainda sim, com personalidade absolutamente marcante). Battleship exibe os mesmos motivos, como o porta-aviões, as máquinas, o uniforme branco da marinha e o rock, desta vez rearranjados para pintar um retrato - em técnica pontilista - deste início de década.

O mundo de hoje é composto em mosaico, em fragmentos ("diversidade", "globalização", "world cinema", "multiplataforma" os exemplos a denotar esta configuração são abundantes). Por isso, a clareza, a ordem e uniformidade, presentes no cast de Top Gun (os F-14 Tomcat e Tom Cruise), são conceitos absolutamente ultrapassados em Battleship. Lá, só poderia haver um herói, pilotando apenas um cavalo. O mocinho, para usar uma máxima relativa aos spaghetti westerns, era aquele que tinha a melhor pontaria, não a "melhor" moral. No filme de Berg, pouco importam as deficiências, sejam elas físicas ou de caráter: mesmo que você tenha cem anos, não possua uma perna, seja medroso ou seja japonês, basta que se una ao outro para que a vitória lhes sorria.

É evidente que tal discurso, para além do "politicamente", é correto, e este texto não tenta afirmar o contrário. O problema está na maneira como o discurso é utilizado, que, dada sua uniformidade e sufocante reiteração, não deixa de trocar olhares de paquera com algo que pode lembrar o fascismo. Prega-se a diversidade, enquanto pratica-se o mesmo sistema opressivo de outrora. Discrepância esta que não é encontrada apenas em Battleship, mas, principalmente, no mundo lá fora. Atendo-se ao universo do filme, entretanto, é fácil eleger a figura do ex-combatente da Guerra do Iraque, que perde no conflito as duas pernas, como o exemplo que sintetiza essa postura dúbia. A mesma mão que empurra em direção ao abismo é a que levanta o braço do desmembrado, consagrando-o campeão: o governo norte-americano envia os seus homens para uma guerra sem propósito, mas é capaz de lhes proporcionar a redenção lutando pelo país contra alienígenas, que, desta vez, escondem-se em poderosas máquinas bélicas ao invés de cavernas no deserto.

A representação da configuração estilhaçada do mundo não causa desconforto apenas de ordem ideológica. Afinal, ela não guia unicamente a temática do filme, mas também a forma. O próprio desenho das naves alienígenas segue a (des)ordem do estilhaço, da janela de navegador de internet com doze abas abertas. Composta por multicamadas de metal, as naves tem aparência caótica e despersonalizada – adjetivos que podem qualificar, aliás, quase todo blockbuster em cartaz nos últimos anos.

No mar da diversidade dúbia que é Battleship, Berg adiciona outro elemento: é notório que o cineasta tem mais afeição pelo mundo de ontem, quando as coisas se resolviam na bala de canhão e não na tela do computador; e, principalmente, quando músicas eram compostas utilizando apenas guitarra, baixo e bateria. Temos, assim, a sequência, ao som de Thunderstruck, do AC/DC, em que veteranos revivem a si e ao encouraçado, antiquado e adormecido dos já ultrapassados dias de glória. E é essa massa uniforme e imponente que derrotará a nave contemporânea do inimigo. Berg, ao contrabandear tais escolhas, não está, de maneira alguma, defendendo, sorrateiramente, uma forma fascista (simétrica e homogênea). O que o diretor faz é, unicamente, demonstrar que o mundo de hoje não fornece matéria para bons filmes de ação. Como não poderia deixar de ser, a demonstração fica perdida em meio à diversidade.

Wellington Sari


 Agosto de 2012