Obituários não são exatamente uma tradição aqui na Contracampo. Se abrimos uma exceção a Carlos Reichenbach, não é apenas por sua obra, sua proximidade com a revista ou pela simpatia de sua pessoa (atestada pelos amigos, já que nunca cheguei a conhecê-lo pessoalmente). A razão do luto aqui é maior.
Dos grandes cineastas brasileiros de outras gerações vivos até pouco, Carlos Reichenbach parece ter sido o único a encontrar algum espaço nos anos 2000. Basta lembrar de um Saraceni, morto recentemente como um monstro do passado, seu único filme em quase dez anos encalhado no circuito de festivais. Dos que sobraram, Bressane, Tonacci ou Rosemberg sempre preferiram permanecer nas margens, alheios. Outros, como Mojica, não se adaptaram os novos tempos. Carlão, não. Sempre lutou por um público (mesmo que este fosse ilusório). Seus filmes estavam aí, dialogavam, cumpriam seu papel dentro do ambiente do cinema brasileiro atual. Eram filmes possíveis. Ninguém ousa dizer que sua obra tenha entrado em declínio nos últimos anos. Não seria absurdo dizer que esta última década foi para ele, com Bens confiscados e Falsa Loura, o auge de sua maturidade artística.
Reichenbach era, então, uma figura fundamental dentro do cinema brasileiro de hoje – e não só naquele de ontem. É essa a principal razão do luto. A sensação é de que algo se apaga, e que o cinema brasileiro se torna mais homogêneo, menos visceral, mais livre de seu passado (bem-vindos enfim ao cinema brasileiro “contemporâneo”). Carlão era o último cineasta de esquerda dentro de um cinema brasileiro cada vez mais aburguesado e direitista. Provavelmente o único ainda capaz de oferecer um olhar justo sobre personagens operárias – bem diferente do olhar carinhoso e do naturalismo oco, instrumentos encontrados pela burguesia por trás das câmeras para lidar com a miséria que enxerga da janela do táxi.
E Reichenbach era, acima de tudo, um diretor de cinema. Esqueçam seu lado cinéfilo, ainda que este também fosse admirável (não é fácil encontrar um cineasta tão interessado e tão pouco assoberbado). O cinema para Reichenbach era um trabalho. Trabalho de encenador, no sentido mais estrito da coisa. Basta lembrar dos números musicais em Falsa Loura ou do rosto de Rosanne Mulholland nos últimos planos do filme – um rosto marejado, onde vemos impresso absolutamente tudo o que a personagem viveu ao longo do filme (ainda hoje, quando lembro desses planos, me vejo sendo tragado pela tela na direção daquele rosto).
Compensando a sensação de alguém que vai mais cedo do que deveria (67 anos), fica a certeza de que poucas figuras fizeram tanto pelo cinema brasileiro quanto Carlos Reichenbach. Só nos resta agradecer.
Calac Nogueira
Junho
de 2012
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