nÃO É POSSÍVEL VOLTAR A GOSTAR DE CINEMA NOVO SEM PAULO CEZAR SARACENI

Com a permissão da herança neo-concreta, digo:

Glauber Rocha é barroco = conciliador
Nelson Pereira = Roma, cidade aberta
A vida passa às vezes de madrugada
Paulo Cezar Saraceni entende a liberdade na idade.

Paulo Cezar Saraceni prendeu o vômito em O desafio.
Os bons-moços, apressados, disseram: leiam o livro.
Mas há a regra do jogo: decadência ou sublimação?
Esse é o drama.
O homem é fundamentalmente trágico.
Na praia talvez não.
Mas o que se esconde é o que se veste.
Isabela veste algo.

O que ocorre é o seguinte: muitos “movimentos” foram mortos e enterrados e isso é o que faz a glória de alguns. Por exemplo: a chanchada. Morta e enterrada. Muito bem enterrada pela academia. Cinema marginal. Muito bem enterrado pela academia e pelos novíssimos deslumbrados. Cinema novo: esse não conseguiu morrer. Nem foi morto. Muito menos enterrado. É um zumbi cultural.

Carlos Diegues é o único cinemanovista no país. É o único que pode e deve ser chamado de cinemanovista. Ideólogo. Gustavo Dahl tinha a Cinemateca antes do cinema.

O único cineasta moderno do cinema brasileiro é Paulo Cezar Saraceni. Quem protestar contra o “único” que proteste. Mas Saraceni foi quem inaugurou Sganzerla (final de O desafio: letreiros pretos contra fundo branco, Guarnieri cantando algum tipo de superação e dizendo: “Eu não verei esse país”; Sganzerla finalizando O Bandido da Luz Vermelha: letreiros pretos contra fundo branco, Jimi Hendrix tocando algum tipo de redenção e a voz da locutora dizendo: “E daí”? Revejam os filmes). Quem não entendeu não vai entender nunca. So what?

No cinema brasileiro não se pode viver sem Paulo Cezar Saraceni, até porque foi o único a vivenciar juventude dentro de um baú de ossos.

A sinceridade de O desafio é do tempo em que país se confundia com amante. Um, dois, três.

Saraceni é o único cineasta brasileiro evoluído, a ponto de ser mau cineasta, tanto quanto Rossellini, Godard ou os melhores maus cineastas do péssimo cinema ocidental do século vinte. Tem a ver, por exemplo, com o Fritz Lang de Um retrato de mulher, ou de O segredo da porta fechada.

Ferdy Carneiro, por exemplo, bebia em um bar em Copacabana.

Acontece que Rossellini é o inventor da wikipédia. E o homem que pode trazer à tona a vitalidade da crença e a honestidade da derrota. Por isso Nicholas Ray.

Eu sinceramente odeio a falsa sensibilidade desses falsos padroeiros da cordialidade. Detesto seus filminhos sensíveis. Quero o erro. A anestesia da Tia Anastácia é o maior inimigo da interpretação de Dostoievski por Thelonious Monk.

Rio de Janeiro, em plena loucura do sorriso quando tudo está à beira de um abismo, 2011.


Luís Alberto Rocha Melo


Janeiro de 2012