Por um cinema médio
O novo programa filosófico de Malick, cercado por suas subtramas constitutivas - a sua reclusão, os poços de petróleo, traduções de Heidegger, futebol americano, script doctor, paradeiros desconhecidos etc. - é a definitiva constatação que seu rito, ao contrário de seu objeto, está mais do que congelado. Seu objeto é amplo, vivo, muito espalhado: o vento, os pássaros, a grama, a chuva, as ondas, o sol (especialmente seu brilho), olhares em rostos sem expressão, as plantas, campos, nuvens, sombras, areia – tudo isso, em movimento perpétuo. A indistinção dessas formas é apenas ponto de partida para o verdadeiro exercício de Malick: a investigação de manifestações imprecisas, fatos que não apreendemos antecipadamente. Nesse sentido, estamos aqui bem próximos de Claire Denis ou Sokurov. Estamos em ausência de gravidade durante boa parte da projeção.
É um filme absolutamente radical. Melancólico (nosso primeiro evento é a comunicação da morte do filho à Chastain, talvez a melhor cena do filme com atores, onde o drama ainda tem força enquanto escrita), constituído em sua quase totalidade por planos de curtíssima duração, grande-angulares, narração elíptica, brandos saltos de um espaço a outro, luz natural, um baile fotográfico. Constantemente repleto de beleza, ela vem encapada em pequenas cápsulas episódicas que, maravilhosamente, nos descrevem uma sensibilidade assustadora: vemos a moral, a integridade e a personalidade de um personagem ser formada, estímulo por estímulo, cápsulas por cápsulas. Por meio dessa criança, o mundo é, para Malick, uma espécie de jogo que consiste em viver essas experiências para colher as sensações. O mistério das coisas, a relação com o universo e o outro é manejada verdadeiramente na vicissitude dos acontecimentos dessa idade. Chamo cápsulas porque o resultado final de Malick definitivamente não são cenas, mas pequenos conjuntos de planos que se relacionam de outra maneira que não dramaturgicamente: seja filosoficamente, ou, mais comum no filme, via espaço. Poupando o mistério dos personagens, transformando a perturbação em suspense protelado, é então que surge o vínculo. A mesmice visual que nos atinge em dado ponto da projeção é fruto disso: a evocação de um lugar, um ambiente determinante onde, aí sim, investigaremos alguma dinâmica entre os corpos que habitam esse lugar.
No caso, Waco, Texas, anos 50. Ocupada por batistas rígidos e, entre eles, a família O'Brien. Brad Pitt, o pai de três crianças que crescem sob o seu olhar autoritário, mas também o de Jessica Chastain, a mãe que os cobre de amor. E, de lá, Sean Penn, o filho problemático, já crescido, numa cidade de grandes prédios, num casamento falido, transformado num arquiteto bem-sucedido. De pouco em pouco, quando se toma um certo apego por alguma das tramas em jogo, Malick solta a próxima cápsula bamboleante. Seus planos curtos que evocam uma recordação (um homem sendo levado pela polícia, machucar-se, conhecer formas geométricas, subir uma escada, ser acordado com pedras de gelo, descobrir o que é um espelho, uma borboleta, um mímico...) ensimesmada, jogada a força a nós, a troco de nada, senão um êxtase objetivado, mas que engasga ao tatear à procura de uma intensidade, de concretizar algo a partir, apenas, do resíduo de algumas paixões. O desgaste do filme o impede de acontecer, de ter lugar, de permanecer, prolongar e significar seu material. O simbolismo de Malick, aqui encarnado mais na figura humana do que na Natureza, provoca no filme essa negociação por um dinamismo universal. Suas imagens documentais arrebitam o filme para outra direção: rui no finito sem nos possibilitar o encontro com o infinito. O que faz um homem aprisionar-se em sua própria consciência e tornar-se incapaz de se mover na sua realidade, senão vagando pelos espaços de uma metrópole? O mistério fundamental? Para Penn, o mistério é essa perda, essa memória, que ele não pode mais do que recordar. Extremamente solene ao filmar isso, cria-se uma bolha de eternidade que infla a personagem de Sean Penn por meio de uma coreografia de afagos místicos e oníricos. Os saltos de fronteiras do filme, apesar das distâncias longínquas, são vitrificados como que em uma campanha publicitária de pontos de ônibus: para um espírito coletivo, sua compreensão nunca subverte nossas expectativas, e sua dispersão de temas o empola completamente.
O quadro: o cinema é uma arte circunscrita. Tendo em suas mãos um projeto muito especial, Malick se debate com essa questão durante o filme todo. Não é uma coincidência a duração dos planos de Malick diminuir muito em A Árvore da Vida. Incindir, cortar, suprimir, encurtar ou abolir uma porção do mundo, para assim o alcançar absoluto. A resolução possível de Malick é deslizar seus atores pelo asfalto. Mas esse limite geográfico de seu âmbito dramatúrgico impede seus saltos de suportar o peso do filme, de transcender. Seus planos baseados em micro-eventos como as mãos que tocam, carícias distintas, as cortinas e os gramados, resultam em nada mais do que uma imobilidade, uma montagem suspensa. A sombra que a voz over projeta sobre o filme, sem muita delicadeza e com personagens alegóricos demais acaba por prevenir o discurso do filme de sair de sua imobilidade, de se lançar contra o mundo, e o contém enquanto reflexão engenhosa. Reflexão congelada de objetos em movimento perpétuo.
Apesar de seu caule imperfeito, surgem flores fascinantes em seus ramos. Mas é imprescindível se engajar da mesma forma, no manejo da luta, no deleite ou na dor, no ganho ou na perda, no triunfo ou na ruína, no seu dever. E Malick, ao contrário de buscar uma síntese entre sua forma e sua dramaturgia, no processo de tentar se livrar de tudo, acaba fazendo um filme que não remete a nada - a não ser a suas próprias resoluções formais - história, personagens, estória, política, real filosofia. É mais complicado do que retalhar uma vida em momentos-chave, necessita de acumulação, e principalmente, de mais contemplação. O duro trabalho de enxergar o mundo, onde está? Possivelmente na cena, tão assustadora quanto bela, onde um dinossauro em todas as suas hesitações, seus gestos, termina afagando o outro... Seria essa a nossa expressão, a unidade do nosso momento? É esse o motivo de amor, de sofrimento e de vida? Esse regresso de Malick tem, portanto, uma explicação simples: só pode existir um compromisso com o bom cinema se antes existir um compromisso com o estilo. Como o futebol - campeão do mundo, vencedor de Cannes... qual a diferença? - de vitrine da seleção espanhola, A Árvore da Vida é um agregado de beleza singular, de obstáculos repetidos e uma sensação de experiência autoregulada.
Marlon Krüger
Janeiro
de 2012 |