Há um conflito que, aos poucos, deixa-se entrever no decorrer de A Alegria. Entre a tentativa de se colocar em uma espécie de frente contemporânea de cinema e de criar uma mitologia com tons fantásticos incrustada no cotidiano de jovens do Rio de Janeiro, o filme acaba por ceder a uma lógica adolescente – e não somente em um filme de/com/para adolescentes, mas no que há de pejorativo no termo. Isso decorre do empenho despendido pelo filme em se legitimar enquanto forma, o que ressoa uma espécie de espírito adolescente. No fundo, é a tentativa de se postar frente ao mundo através de uma postura, por mais superficial que ela seja.
O interesse em A Alegria encontra-se, então, mais na aparência final de sua forma do que um processo ou caminho possa gerar. O que não seria um problema se o resultado não parecesse acomodado ou confortável diante da estranheza domesticada a que o filme se sujeita e através da qual se constrói. Ainda que o esforço resulte em um interessante trabalho de som (onde há uma dissonância reativa à imagem), e ainda que exista um interesse inicial na reconfiguração interna dos planos pelo movimento dos corpos, parece existir em todo plano, em toda sequência, um ruído que faz a todo instante o filme se ajoelhar frente a uma forma ideal de encenação a que tenta alcançar.
E esse ruído que ecoa ao redor do filme tem como explícita e declarada origem os filmes de Apichatpong Weerasethakul, principalmente na conjugação entre duração e encenação do plano (ainda que, em alguns momentos, como determinados cortes entre planos e em certo tom da atuação, soe algo bressoniano). Mas é justamente por tomar o cinema do diretor tailandês como referência, o que, de alguma forma, sabota A Alegria enquanto projeto estético. A pressuposição de uma espécie de inocência – que se torna por vezes risível – do olhar diante da construção do universo fílmico parece, em Apichatpong, muito mais um dado intrínseco ao gesto do cineasta diante do mundo do que uma tentativa de codificar o universo representado através da idealização dessa inocência.
O que é no mínimo estranho vindo de uma narrativa que tematiza um universo que gravita ao redor da descoberta, da incerteza, do prazer meio inocente e leviano pela profanação da frágil ordem das coisas, e que reverbera em cenas como a do crescente zumbido emitido pelos alunos na sala de aula, o fim de festa no chafariz, o conflito com os policiais durante a manifestação, onde o percurso e a ação são mais relevantes que suas consequências. Tudo isso que de alguma forma é a história do grupo de jovens protagonistas do filme, de uma mistura de tensões em relação à vida, ao ambiente e cidade em que vivem, um apanhado de opressão e incerteza que de alguma maneira conjuga-se devidamente com a urgência adolescente.
Porém o que sobra não é nem a espiritualidade dos filmes de Apichatpong Weerasethakul, nem a moral religiosa sobre mundo de Robert Bresson; o filme de Bragança e Meliande refestela-se num ateísmo, num ceticismo que adota o que há de espiritual, fantástico ou metafísico como um dado constitutivo formal, e não como ato de crença, verdade ou fé.
A Alegria, por fim, revela-se como um imenso muro de concreto, o qual, ainda que pintado com as mais vivas cores, inevitavelmente descortina sua natureza dura e fria conforme se aproxima dele.
Felipe Mendonça Moraes
Janeiro
de 2012 |