a lua de mel segundo francisco cavalcanti
Violentadores de Meninas Virgens, Francisco Cavalcanti, Brasil, 1983

Violentadores de Meninas Virgens, do título ao último plano, é de uma retidão implacável. Nada escapa à lisura dos seus procedimentos, à sua objetividade crua. Pela recusa sistemática a qualquer nuance, sentido ou significação subjacente às suas imagens, não seria exagero afirmar que, provavelmente, é o filme mais virgem de toda a cinematografia brasileira.

Francisco Cavalcanti, diretor e protagonista, situa sua narrativa entre o grand-guinol e o feérico, alcançado progressivamente pelo absurdo e, ao mesmo tempo, pela precisão das situações que cria e filma. O entrecho favorece: um grupo de empresários paulistanos corrompe um cafetão tradicional a mudar o foco de sua atuação. Agora ele se dedica a seqüestrar garotas virgens para recriar permanentemente noites de lua de mel para os seus endinheirados clientes.

Os constantes raptos ganham as manchetes dos jornais, reforçam a ineficácia da polícia e causam indignação, sobretudo, aos tintureiros do bairro, o próprio Cavalcanti, sua noiva Suely e o irmão dela, conhecido simplesmente como Baixinho.

Quando a quadrilha encarregada dos seqüestros deixa cair um botão de paletó, enquanto captura mais uma donzela na vizinhança, surge a oportunidade que o trio esperava para desbaratar a gangue: Cavalcanti pede aos companheiros de lavanderia que fiquem atentos às roupas que chegarem sem o apetrecho.

A essa - e não a única - premissa hitchcockiana, soma-se outras referências diretamente pirateadas de filmes de sucesso da época. E por aí vai: Violentadores de Meninas Virgens equaliza o grande cinema com o oportunismo cinéfilo-comercial. Mas traz uma vibração própria em cada citação, porque sua apropriação é tão franca, grosseira, primitiva e canhestra que seu efeito é via de regra original, espantoso. Neste sentido, o filme de Cavalcanti não admite a condescendência e nem o cinismo do consumidor contemporâneo da pulp fiction (pós-Tarantino) que ri e se diverte com o involuntário do que é mostrado por se achar superior ao que vê.

É uma obra (e perdoem a reiteração) sem mediações possíveis, transparente, picaresca e que trata a todos como iguais, do albino ao japonês. Um cinema que sem qualquer dramaturgia ou viés documental regurgita das suas entranhas uma identificação ora incômoda, ora libertadora, como se prescindíssemos, na vida social e civilizada, da psicanálise e da semiologia – para sempre.

Espécie de Sade iletrado – sem qualquer traço pejorativo nessa (des)qualificação – Cavalcanti é o bárbaro anárquico e intuitivo que incorpora e expressa o preconceito, a violência, as taras mais recônditas, a vingança e o ceticismo para depois se prostrar à beira da piscina e mirar o vazio. Seria moralizante, não fosse Violentadores de Meninas Virgens esse indomável convite à pureza do olhar.

Adolfo Gomes


 Agosto de 2011