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O passado, o presente e o futuro em revista
Desde o surgimento da Contracampo, há quase treze
anos, o panorama de circulação e recepção de cinema no Brasil mudou bastante.
No início da última década, a intensidade de eventos e mostras promovendo a
exibição de filmes não-comerciais não era de um quinto do que se vê hoje. E
embora a concentração maior ainda esteja no eixo Rio-São Paulo, temos observado
uma crescente descentralização na criação de novos centros culturais e espaços
de exibição, assim como no incentivo à expansão das políticas públicas ligadas
à circulação de obras e formação de plateias para áreas menos centrais.
Em relação aos eventos de caráter marcadamente
cinéfilo, que é o campo que nos interessa diretamente aqui na revista, o ano de
2010 foi particularmente marcante. Especialmente no segundo semestre, vimos um
desfile de mostras dedicadas a cineastas essenciais cujas obras ou não
conheciam difusão em salas de cinema brasileiras ou delas estavam ausentes por
décadas. De John Ford e Yasujiro Ozu a Kiyoshi Kurosawa, Pedro Costa e Hou
Hsiao-hsien, um mundo vastíssimo de imagens se descortinou diante de nós na
tela grande no ano passado, em seu esplendor ou mistério, causando por vezes a
sensação de que nossa cinefilia estaria apenas começando.
De início, isso nos provou definitivamente que, se os
filmes são nosso objeto, a sala de cinema é nosso salão de leituras, nossa
biblioteca, nosso quarto de estudos. E, imersos na medida do possível nestes
nossos “livros”, abdicamos invariavelmente de outros circuitos, como o
comercial e o de festivais. Se, por um lado, isso foi ao encontro da disposição
da revista já presente nos últimos anos, de priorizar focos de interesse
particulares dentro da vasta história do cinema ao invés de se pautar pelos
“acontecimentos” do cinema atual, por outro também nos desviou, pela transferência
natural de foco, de nossa organização usual de pautas.
Decidimos então dar vazão a nossas reações a este
fluxo de imagens intenso mas desconexo em suas diferentes proposições e naturezas,
abrindo nossa seção de artigos para a livre expressão de traçados de pensamento
independentes, pois cada um de nós reagiu a seu modo a estes múltiplos
estímulos. E assim nasceu esta edição, com sua certa dose de
esquizofrenia. Originalmente imaginada para ir ao ar contendo nossa votação
interna dos Melhores do Ano de 2010, ela terminou por sofrer um atraso
significativo por motivos externos, e agora vê a luz do dia apenas como um
extenso bloco de notas da redação a partir de suas experiências com esta série
admirável de retrospectivas (à qual se somaram outras no primeiro semestre
deste ano), e não mais como um balanço (descompensado) do ano passado.
E se a atualização frequente tem sido para nós
reconhecidamente um problema, ela é também um espelho de questões agudas em
relação ao panorama atual que nos deixaram frequentemente repletos de
indagações sobre nosso próprio percurso. Com esta virada de década, uma nova
época também parece se impor à Contracampo. Os questionamentos que nos
pautaram nos últimos tempos foram muitos e embora a maioria diga respeito aos
filmes e à sua produção e circulação, outros são de outra natureza e tocam em
pontos como as próprias funcionalidade e função da revista hoje. Certos de que
ela precisa passar por uma renovação em vista dos novos tempos e com a suspeita
de que nossos caminhos talvez não coincidam mais com os imperativos de uma
publicação desta natureza, confiamos a nossos jovens redatores o comando da
revista daqui em diante.
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