A Downtown filmes e o novo cinema nacional

Leio no jornal uma matéria sobre o dono da distribuidora Downtown Filmes, Bruno Wainer. A reportagem explica que a Downtown é dedicada exclusivamente a filmes brasileiros e exalta a aparente “boa pontaria” do distribuidor, que emplacou em 2011 sucessos como De pernas pro ar e Cilada.com, contabilizando em seus lançamentos do ano mais de 7 milhões de espectadores. Uma rápida pesquisa nos revela que os outros lançamentos da distribuidora este ano foram Desenrola, de Rosane Svartman (este parceria com a Riofilme), Malu de Bicicleta, de Flavio Tambellini, Uma professora muito maluquinha, de André Pinto e Cesar Rodrigues, além dos documentários Lixo Extraordinário, de Lucy Walker, Karen Harley e João Jardim, indicado ao Oscar, Tancredo – A travessia, de Sylvio Tendler, e Rock Brasília, de Vladimir Carvalho.

Como se vê, um "cardápio variado" de uma distribuidora "moderna", que atua preenchendo estrategicamente os diversos nichos de mercado do cinema brasileiro. Segundo o jornal, Wainer tem como modelo a americana independente Miramax. O sucesso comercial da Downtown faz dela a metonímia perfeita da modernidade buscada pelo cinema brasileiro no seu arrivismo pós-retomada.

Em parte, é esse cinema "de qualidade" de que falávamos no último Cinema Falado. Na realidade, de péssima "qualidade", um cinema sem riscos e homogêneo na sua aparente variedade – na incipiente indústria brasileira, é como se passássemos da formatação de projetos direto para a comercialização, pulando justamente a etapa da produção (e os filmes, afinal, são bons?). Cada filme distribuído pela Downtown traz estampado na testa um motivo comercial que justifique e chantageie a sua existência, o que torna o seu "cardápio variado" e a sua "boa pontaria", no fundo, ilusórios. Se Desenrola, Malu de bicicleta, Um professora muito maluquinha ou mesmo Lula (2010) não renderam o esperado, não foi porque eram apostas que implicavam num certo risco. Não há rigorosamente risco nenhum nesses filmes, que, para o bem e para o mal, tinham seus nichos de mercado muito bem delineados desde a primeira linha do roteiro. É de se perguntar, ao contrário, se não foi a ausência de riscos aqui a inimiga de filmes excessivamente domesticados e/ou chapas-brancas.

Não quero parecer com isso um defensor de um cinema livre do mercado. Tenho fé que todo o cinema, com exceção daquele estritamente amador, é cinema comercial – se o sujeito se propõe a colocar seu curta, qualquer que seja, num festival, ele já faz cinema comercial. Além do mais, a distribuição é um negócio, não se trata de filantropia – e é possível (provável) que o tal Wainer faça o seu trabalho, enquanto distribuidor, até muito bem. Sua visão das coisas é que é conservadora, e o que incomoda é o fato de ela refletir uma realidade muito maior – seria possível fazer o mesmo texto a partir das políticas da Riofilme ultimamente. O site da Downtown ainda nos avisa orgulhosamente que a empresa – moderna, sofisticada e com visão "apurada" de mercado – também “incentiva novos talentos”, tendo distribuído filmes como Crime delicado e Cão sem dono, de Beto Brant, O céu de Suely, de Karim Aïnouz, e Estômago, de Marcos Jorge. Uma vez que tanto Brant como Aïnouz já tinham até esses filmes uma carreira bastante sólida (no caso de Brant, desde os anos 90), o que retira deles o caráter de apostas, ficamos apenas com Estômago: e haverá filme mais representativo deste cinema de qualidade estagnado que tanto combatemos? Um filme que, em seu todo, basicamente se propõe a maquiar um roteiro péssimo com personagens pitorescos, piadas envolvendo metáforas culinárias e direção de arte "bonitinha".

Ainda na matéria, Wainer completa: "(...) no Brasil, os recursos de financiamento dos filmes são decididos por comissões, e não por distribuidores. Temos ótimos projetos com boa possibilidade de performance, mas os mecanismos de incentivo não chegam a eles. Enquanto isso, alguns cineastas que não fazem nada de interessante há décadas continuam ganhando editais, provavelmente por causa de lobby. Dos 90 filmes [nacionais] que lançamos por ano, há 60 que eu nem sei porque foram feitos." (O Globo, 20/12/2011)

Quase nada a comentar, apenas que, numa mesma declaração, Wainer defende que as escolhas do que é produzido sejam feitas pelos distribuidores enquanto propõe uma espécie de extermínio do cinema nacional, reduzindo-o, praticamente, aos filmes de sua cartela.

Em outro lugar do front, um antídoto imediato com Paulo Branco:

"Ora, na criação, devemos ter também direito ao fracasso. As obras-primas anunciadas não me interessam. O que me interessa é o que está no limite do que poderia ser genial e do que não o é. Alguns filmes de Monte Hellman, David Fincher e Shyamalan são êxitos incríveis, e outros, fracassos. É isso que não é mais permitido hoje ao cinema francês. É por isso que ele está tão conservador. Ele prefere as coisas médias, previsíveis. Em todos os níveis, incluindo no nível da escolha dos atores." (Cahiers du Cinéma, nº 667, maio de 2011)

Paulo Branco, produtor português, recentemente lançou Mistérios de Lisboa, último filme de Raoul Ruiz, de 4h30 de duração, na França, nos EUA e outros países europeus. Na mesma entrevista, ele fala da dificuldade que encontrava para financiar o novo filme de Larry Clark, nas palavras deste "um cruzamento entre O garoto selvagem e Teorema." Enquanto isso, a reportagem nos informa que a Downtown lançará em breve uma penca de filmes de velhos conhecidos: Breno Silveira, Cao Hamburger, Casseta & Planeta, José Henrique Fonseca e Vicente Amorim.

Calac Nogueira


 Dezembro de 2011