SOMEWHERE
Sofia Coppola, Somewhere, Estados Unidos, 2010

Sofia Coppola parece sentir o peso de ter nascido, crescido e vivido como filha de um homem rico e famoso, e de ter por muito tempo se acomodado nessa posição. Desde seu primeiro filme, ela parece refletir sobre (ou talvez a palavra certa seja apenas espelhar) a vida fácil e monótona de quem cresceu em shopping centers e quartos de hotel, comprou todos os artefatos pops e eruditos que desejou, viveu em subúrbios americanos distantes de qualquer aspecto do que seja a “vida real”. São as adolescentes alienadas de Virgens Suicidas, a dupla Bill Murray + Scarlett Johansson de Encontros e Desencontros, a Maria Antonieta do filme homônimo e, agora, a nova duplinha Stephen Dorff + Elle Fanning de Somewhere.

Se tudo isso é óbvio e explícito, não deixa de ser verdadeiro, e por isso parece absolutamente natural que esse universo não muito vasto já alcance, rapidamente, seus próprios limites. Não é mais possível fugir para o retrato da vida americana cotidiana (Virgens Suicidas já o fez, afinal), nem para a recriação histórica (Maria Antonieta) e, na falta de um novo “mundo” para se adequar ao próprio, Coppola volta àquele que mais conhece e com o qual fez seu filme mais célebre: o showbiz. Assim, faz uma espécie de remake, dois filmes depois, de Encontros e Desencontros, com o romance platônico entre Murray e Johansson sendo recontado no amor paternal entre Dorff e Fanning, e a estranheza caricatural de um Japão desconhecido substituída pela naturalidade caricatural de uma Hollywood já codificada.

Os argumentos são claros: temos nos dois filmes a história de um homem um tanto entediado com seu status de ídolo e com todas as benesses advindas de tal status, vivendo em um quase automatismo de ações que, ao encontrar sua musa salvadora, conhece então algo que o leve para longe de seu universo fake (será esse algo o amor?), podendo assim ter uma vida, uma personalidade e uma série de sentimentos reais. Mais simples (ou seria simplista?), impossível.

Se for justo dizer que diversos cineastas (alguns dos maiores, inclusive) dedicaram-se a contar sempre a mesma história, também é justo dizer que essas histórias sempre foram ao encontro de um universo de sentimentos amplo e disponível, e não a um parque de diversões isolado, contendo os mesmos velhos brinquedos. Coppola faz um filme para dizer não às máscaras que compõem seu mundo, mas não sabe filmar outra coisa do que essas próprias máscaras.

Não há dúvidas que a cineasta tem talento, e mesmo Somewhere, com seu gosto de prato requentado, prova isso. A capacidade de construir uma série de pequenas vinhetas cômicas, na qual a caricatura se confunde indelevelmente com a doçura, permanece intacta, como pode ser constatado nas sequências de pole dancing (mas não poderia ser Bill Murray vendo aquelas dançarinas?), na ida à Itália, ou mesmo em pequenos detalhes que surgem constantemente na narrativa. O trabalho com os atores, ainda que o filme se ressinta do gênio cômico de Murray (mas qual filme não se ressente?), também. Mas ver Somewhere é quase como comer algodão-doce: bonito, fofo, doce e impecavelmente vazio.

E por isso Coppola, que poderia ser de fato uma grande diretora de videoclipes e comerciais, resolve fazer cinema. Em Somewhere, no entanto, ela tem algo mais a dizer. Isso talvez apareça de forma clara, e clarividente, no “epílogo” do filme, o único momento no qual há uma contribuição original, de fato, a Encontros e Desencontros, e único momento em que o filme, enfim, tenta apontar para algum outro. Após a cena em que Dorff tenta se abrir a Elle enquanto o helicóptero parte (ou seria Bill Murray sussurrando no ouvido de Scarlett Johanson?), o filme se alonga por uma série de seqüências na qual o grande objetivo – pois a partir de então não se trata mais de sentimentos ou cinema, mas apenas lição de moral – é mostrar que Dorff agora decide se libertar desse mundo falso e aprisionador e, enfim, viver.

A saber: primeiro, ele liga para a ex-mulher chorando e diz que é um nada (lição de moral parte 1), depois faz, pela primeira vez na vida, um macarrão, o que constatamos vendo claramente que ele não sabe cozinhar o básico (lição de moral parte 2 e ponto de virada), depois se muda do hotel, símbolo da fantasia e da fugacidade, onde mora (lição de moral parte 3) para, por fim, ir sem direção pelo deserto, abandonando seu carro caríssimo e saindo a pé, rumo ao mundo, rumo ao desconhecido (lição de moral parte 4 e fim).

No fundo, Sofia Coppola fez Somewhere para acrescentar a revelação filosófica que tinha ficado de fora de Encontros e Desencontros. E por mais que esses simbolismos muitas vezes passem impunes ao serem filmados com sua sutileza e rigor habituais, eles não deixam, ainda assim, de serem simbolismos baratos. Mas há quem adore algodão-doce.

Tais simbolismos, no entanto, podem apontar algo positivo, após o tropeço deste filme: se Coppola filha também tiver resolvido sair da bolha de sabão e tomado um passo rumo ao mundo, talvez seu cinema recupere o interesse que já teve e possa fugir dos quartos de hotel ao quais permanece preso e dos quais ela, um tanto fingidamente, parece querer sair. Quem sabe, assim, um dia ela se torne a grande cineasta que tantos se convencem de que já é.

Leonardo Levis


 Outubro de 2010