SOMEWHERE
Sofia Coppola, Somewhere, Estados Unidos, 2010

Para uns, o novo filme de Sofia Coppola soará como um passo atrás, uma repetição de sentimentos pisados em Encontros e Desencontros e Maria Antonieta, numa narrativa mais fechada e brutalmente simplificada. Mas é como se, ao limpar a narrativa dos fusos horários cultural do Japão e histórico da corte francesa do século XVIII, Coppola buscasse ir justamente ao essencial da melancolia que pautava estes seus trabalhos anteriores. Somewhere opera uma depuração formal deste sentimento (a melancolia), numa tentativa de torná-lo mais palpável por meio de uma dinâmica rigorosa de cena e de montagem, como se estivéssemos diante de uma exposição temática (ainda que também narrativa) de quadros.

O filme começa com uma cena que, mais do que simplesmente inspirada, parece citar diretamente Brown Bunny: uma Ferrari dá voltas por um circuito oval que vemos parcialmente, sempre retornando ao ponto inicial. O mesmo vazio projetado no asfalto, no movimento maquínico e sem vida do carro. O resto da narrativa também guarda algumas semelhanças com o filme de Vincent Gallo: o carro, a estrada, os encontros, as mulheres, a mesma frieza. A diferença é, sobretudo, de traço (Gallo é um expressionista, enquanto Coppola procura a melancolia no figurativismo). Mas há também uma diferença estrutural grande, pois em Brown Bunny a narrativa se apóia sobre um passado que torna o presente uma experiência aberrante e estéril.

Já em Somewhere, há apenas o presente. É a vivência isolada e pueril de um quarto de hotel. O presente em Somewhere passa por essa imagem isolada, inconsequente, que cortou relações com tudo o que ultrapassa o aqui e agora dela própria (passado, história, casa, família). Uma imagem desencantada, direta, sem fundo, sem mistério – e melancólica exatamente por esta falta de mistério. Quando um jovem aspirante a ator timidamente pergunta a Johnny numa festa sobre seus métodos de atuação, ele responde que não segue nenhum método específico – depois, emenda algumas rápidas palavras de força para o rapaz, dizendo que começou apenas conseguindo alguns testes por meio de agentesomeçou apenas conseguindo alguns testes por meio de  e,om equilr tonieta. e nça testes com agentes no in. A resposta é exatamente o que se espera do personagem – ela não desmascara ou aprofunda nada que já não estivesse evidente antes no próprio traçado do filme. Justamente porque nesse presente isolado de Somewhere existe apenas o que acontece na cena (no quadro); e o que fica da reciprocidade mortal entre o puxa-saquismo pueril do garoto e o estereótipo do protagonista é apenas uma mistura entre a piada, o desconforto e a melancolia.

O filme não é apenas a velha fábula do astro milionário que descobre que no fundo não possui nada. Percebe-se o cuidado de uma grande esteta, por exemplo, durante o número das duas strippers gêmeas – a beleza sem vida, os movimentos frios; a cena é completamente brochante. Ou na segurança e na paciência com que o zoom in e o zoom out são utilizados para dar ao filme contornos climáticos (o primeiro durante a sessão da máscara, o segundo na piscina). Há pouca novidade, no fundo, em dizer que é um filme que opera mais pelo clima que propriamente pela via dramática – era mais ou menos a mesma coisa em Encontros e Desencontros e Maria Antonieta. Mas é isso que justifica, por exemplo, a duração enxuta dos dois momentos mais dramáticos do filme (Cleo chorando no carro, e Johnny depois, ao telefone).

Se o filme emula uma série de clichês contemporâneos (sensibilidade melancólica, solidão, fantasmagoria – todos repreendidos ultimamente aqui na própria Contracampo), ele sai ileso por sua firmeza e sua simplicidade: Coppola não esconde o jogo (como não esconde sua admiração pelo filme de Vincent Gallo), cada imagem está ali inteira, dada, para ser admirada ou execrada. É um pequeno filme que demonstra o impressionante rigor de uma diretora, capaz de manter o equilíbrio enxuto entre a gag e a tristeza tematizada, além de dar vida a estereótipos desencantados.

Calac Nogueira


 Outubro de 2010