SEQUESTRO DE UM HERÓI
Lucas Belvaux, Rapt, França/Bélgica, 2009

Talvez seja mais fácil, diante de um filme como Sequestro de um Herói, raciocinar por subtração: este não é um filme focado na agonia interminável do refém (suas ilusões e seus medos do abandono e da morte), tampouco no drama da família (o abismo de informações sobre a vítima, a necessidade de se negociar no escuro, o medo). Também não é, essencialmente, uma trama policial centrada no jogo de gato e rato entre polícia e bandidos (ainda que isso tome uma boa meia hora de filme lá pela metade dele). E, ainda que isto esteja sem dúvidas presente no filme, não é a história do linchamento de um homem público, um filme sobre as questões entre o público e o privado no contexto de poder político assumido pelas grandes corporações. Diante deste quadro de restrições, o que resta para o filme de Lucas Belvaux é apenas o essencial: as imagens, o relato e, se assim se quiser, a mise en scène.

As restrições de Belvaux se aplicam também aos atores. A orientação geral para cada ator/personagem parece ser a de nunca ultrapassar os limites (rígidos, limitadíssimos) marcados para suas figuras dentro da narrativa. Cada personagem é apenas aquilo que é dito pelo texto, pelo roteiro. Belvaux abdica da construção de personalidades para se dedicar, efetivamente, a papéis: o advogado (Alex Descas) é o advogado; o diretor executivo é apenas o diretor executivo; o chefe de polícia é somente o chefe de polícia; e os sequestradores, de sua parte, só querem dinheiro (eles não são maus, apenas fazem o seu trabalho com o rigor necessário – e este é um filme de rigores). Aqui, é também por uma operação de subtração que o filme opera: Belvaux propõe aos atores uma obediência violenta ao texto (no limiar de um tom não-naturalista, que no entanto não chega a existir no filme), como se procurasse evitar a contaminação do relato pela psicologia em potencial dos personagem.

O filme se volta assim para as imagens e tessitura da trama, num passeio rigoroso por suas etapas. Que fique claro então que mise en scène aqui não tem absolutamente nada a ver com um momento de iluminação espiritual, mas com uma construção, um contínuo dar forma ao relato: a música, a dramaturgia do texto, os tempos, a câmera que desliza (em scope) por sobre as imagens absolutamente corretas (diante de um sequestro, não há muito o que fazer além do adequado: negociar sim, diante do medo, até dar-se conta de que não há a quantia pedida; deixar a polícia agir, se não há outra escolha – e depois: depoimentos, exames, cautela diante da imprensa). Belvaux se nega a estacionar a narrativa em uma das fases anteriormente descritas (os pontos-de-vista do sequestro, o jogo entre polícia e bandidos, o ambiente insípido das grandes corporações). Ele seca as imagens, restringe tudo ao essencial (uma lógica ao mesmo tempo de rarefação e lapidação), para assim ir adiante com a trama.

É um rigor no uso das imagens que faz pensar em alguns filmes de Claude Chabrol, de quem Belvaux inclusive foi ator – penso num filme como A Comédia do Poder, substituindo-se as caricaturas por papéis (e a comédia por um falso thriller), mas com o mesmo enfoque e visão da política. O filme de Belvaux fica como um destaque justamente por reencontrar um certo prazer na pureza narrativa: um filme no qual se passeia, se é levado, muito mais do que se apreende alguma coisa.

 Calac Nogueira


 Setembro de 2010