Talvez
seja mais fácil,
diante de um filme como Sequestro de um Herói, raciocinar por subtração: este não
é um
filme focado na agonia interminável do refém
(suas
ilusões e seus medos do abandono e da morte), tampouco no
drama da família (o abismo de
informações sobre
a vítima, a necessidade de se negociar no escuro, o medo).
Também não é, essencialmente, uma
trama policial
centrada no jogo de gato e rato entre polícia e bandidos
(ainda que isso tome uma boa meia hora de filme lá pela
metade
dele). E, ainda que isto esteja sem dúvidas presente no
filme,
não é a história do linchamento de um
homem
público, um filme sobre as questões entre o
público
e o privado no contexto de poder político assumido pelas
grandes corporações. Diante deste quadro de
restrições,
o que resta para o filme de Lucas Belvaux é apenas o
essencial: as imagens, o relato e, se assim se quiser, a mise
en
scène.
As
restrições
de Belvaux se aplicam também aos atores. A
orientação
geral para cada ator/personagem parece ser a de nunca ultrapassar os
limites (rígidos, limitadíssimos) marcados para
suas
figuras dentro da narrativa. Cada personagem é apenas aquilo
que é dito pelo texto, pelo roteiro. Belvaux abdica da
construção de personalidades para se dedicar,
efetivamente, a papéis: o advogado (Alex
Descas) é
o advogado; o diretor executivo é apenas o diretor
executivo;
o chefe de polícia é somente o chefe de
polícia;
e os sequestradores, de sua parte, só querem dinheiro (eles
não são maus, apenas fazem o seu trabalho com o
rigor
necessário – e este é um filme de
rigores). Aqui,
é também por uma operação
de subtração
que o filme opera: Belvaux propõe aos atores uma
obediência
violenta ao texto (no limiar de um tom não-naturalista, que
no
entanto não chega a existir no filme), como se procurasse
evitar a contaminação do relato pela psicologia
em
potencial dos personagem.
O
filme se volta assim
para as imagens e tessitura da trama, num passeio rigoroso por suas
etapas. Que fique claro então que mise en
scène
aqui não tem absolutamente nada a ver com um momento de
iluminação espiritual, mas com uma
construção,
um contínuo dar forma ao relato: a música, a
dramaturgia do texto, os tempos, a câmera que desliza (em
scope) por sobre as imagens absolutamente corretas
(diante de um sequestro, não há muito o que fazer
além
do adequado: negociar sim, diante do medo, até dar-se conta
de
que não há a quantia pedida; deixar a
polícia
agir, se não há outra escolha – e
depois:
depoimentos, exames, cautela diante da imprensa). Belvaux se nega a
estacionar a narrativa em uma das fases anteriormente descritas (os
pontos-de-vista do sequestro, o jogo entre polícia e
bandidos,
o ambiente insípido das grandes
corporações).
Ele seca as imagens, restringe tudo ao essencial (uma lógica
ao mesmo tempo de rarefação e
lapidação),
para assim ir adiante com a trama.
É
um rigor no
uso das imagens que faz pensar em alguns filmes de Claude Chabrol, de
quem Belvaux inclusive foi ator – penso num filme como A
Comédia do Poder, substituindo-se as caricaturas
por
papéis (e a comédia por um
falso thriller),
mas com o mesmo enfoque e visão da política. O
filme de
Belvaux fica como um destaque justamente por reencontrar um certo
prazer na pureza narrativa: um filme no qual se passeia, se
é
levado, muito mais do que se apreende alguma coisa.
Calac Nogueira
Setembro de 2010
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