FILM SOCIALISME
Jean-Luc Godrad, Film Socialisme, Suíça, 2010
 

A respeito de Film Socialisme, só gostaria de apontar uma coisa. É o seguinte: em uma entrevista de Dirigido por John Ford, de Peter Bogdanovich, Steven Spielberg conta de quando conheceu Ford pessoalmente. Foi um encontro passageiro no escritório do mestre, quando Spielberg ainda era adolescente. Ford pedia para o jovem descrever as pinturas que via, necessariamente paisagens de western. Spielberg começava a descrição, e Ford o interrompia, interrogando: “mas onde está o horizonte?”. Nos três quadros da parede de seu escritório, ou o horizonte estava bem em baixo do quadro ou bem em cima. Ford concluía: “No dia que você perceber que colocar o horizonte bem em cima ou bem em baixo do quadro é muito melhor do que colocá-lo no meio do quadro, talvez você seja um bom cineasta. Agora caia fora daqui”.

Essa lição também é belíssima em sua negação. Veremos com Godard, especialmente dos anos 80 para cá, um cinema que pede para o horizonte estar bem no meio do quadro. Não duvidem que, se Godard é anti-hollywoodiano, ele o é por inteiro. Não era assim, é claro, em O Desprezo e a exuberância da ilha de Capri e das estátuas gregas – este era um filme para admitir, e por fim dominar, a beleza. Não é mais o que vemos em Film Socialisme. A primeira imagem é até da imensidão do oceano, mas na verdade um oceano sem horizonte, que não se une ao céu ou à terra, e, como diz uma voz em off, é tão público quanto o dinheiro – sua disponibilidade impede de abarcá-lo em sua totalidade. Porém, ao longo do filme, especialmente no primeiro e segundo ato, veremos, e graficamente há que haver mesmo, um horizonte, uma linha no fundo do quadro que garanta a perspectiva. E a que Godard escolhe não é só, evidentemente, por conta da plasticidade; qualquer um poderia desconhecer a lição de Ford e enquadrar, por falta de melhor idéia, o horizonte bem no meio do quadro. É que isso é também – e não só em Godard como também em Suplício de uma Alma, de Fritz Lang, O Dinheiro, de Robert Bresson, No Quarto da Vanda, de Pedro Costa, e o final de Tio Boonmee, de Apichatpong, entre outros – uma maneira de compreender um espaço total, do chão ao teto, com os homens no meio, de respeitar todos os detalhes cenográficos como se não houvesse fora-de-tela. Se cortasse uma parte da pia pela borda inferior do quadro, isso não significaria se importar com uma pia, mas sim aceitá-la em um todo maior, maior que a imagem, talvez até atribuir ao mero pedaço que sobra de pia a vaga idéia de acolho domiciliar. Já na escolha de Godard, os elementos cênicos estão mais somados do que integrados, e isso nos encurrala, como uma espécie de claustrofobia da verossimilhança, em um cenário inquebrantável e banal, banal porque inquebrantável. É o oposto da plasticidade poética de Ford: é o fim do solo e do longe, do território e suas conquistas. Não se trata de continuar ou reescrever a História (como Ford), mas de esgotá-la.







João Gabriel Paixão


 Outubro de 2010