Primeira cena:
uma mesa de restaurante, um casal. A situação já está
dada: ambos estão completamente fragilizados. Closes
à la Griffith os tornam ainda mais desamparados, como
se a aproximação da câmera os cercasse mais do que os
acolhesse. O choro, os soluços e os silêncios são pouco
para dar vazão ao que está acontecendo. É porque já
aconteceu, alguma coisa aconteceu com eles antes de
entrarmos na sala de cinema, e por isso essas emoções
desterradas de uma causa nos parecem ao mesmo tempo
mais intensas (porque não conseguimos solucioná-las)
e mais frágeis (como um testemunho sem provas antecedentes).
A Vida Durante a Guerra será, a partir de então,
esta aflição das coisas que já aconteceram, mas que
ainda não foram resolvidas. Mas o que é isso que já
aconteceu, e o que é que ainda precisa ser resolvido?
Na mesa do restaurante, o homem diz que está tentando
se curar daquilo que ele é, como se fosse uma guerra
contra um instinto fundamental. Ele chora feito bebê,
é isso o que se mostra – nem seu pecado original,
nem seu processo de cura, mas a energia que se gasta,
que se tem que gastar. É este desarranjo, em que não
se é nem um ideal de desejo, nem um ideal de submissão,
com o qual os personagens precisam lidar.
Na segunda sequência, estamos em uma
situação aparentemente resolvida. Trata-se de outra
mesa de restaurante, só que em um mall aberto
no centro do edifício, um lugar arejado e solar, onde
um segundo casal, bem mais chique e rico, acabou de
se conhecer. Eles estão calmos e talvez alegres, mas
aprenderemos ao longo do filme que esses são estados
a se desconfiar. Há um imediatismo na caracterização
estereotipada, nada sutil de Solondz – provavelmente
um aspecto da direção de que muitos reclamariam, certamente
porque preferem ter as aparências sociais ornamentadas
de forma sutil em um gesto profundo de reverência e,
ao mesmo tempo, de dissimulação do social –, que nos
auxilia nesta desconfiança: a caracterização corrobora
a solidão dos personagens.
A Vida Durante a Guerra não nega o que é aparente. Se os personagens falam de ressentimentos
ou aspirações, se emocionam com coisas que já passaram
ou que estão por vir, ou seja, se reagem a coisas que
não estão acontecendo no campo visível da cena, isso
não quer dizer que as aparências estejam sendo diluídas
ou contraditas. Há um excesso emocional que ultrapassa
o corpo apenas para no fim das contas reafirmá-lo. É
necessário o aspecto mundano do real, essa moldura engessada
do visível, para servir como terreno desolado (e desolador)
às emoções. Por isso, é preciso acreditar quando os
personagens choram e no que falam, porque é tudo o que
lhes sobra. Mais uma vez o imediato, aquilo para o qual
não há nem causas nem conseqüências, o enclausuramento
do presente. Quem os vir e não acreditar neles, é porque
pretende escapar do presente, organizar o desarranjo.
A Vida Durante a Guerra não é para os cínicos
que vêem nos outros sempre segundas ou terceiras intenções,
que entendem o mundo como uma ambivalência entre vontade
e submissão, mas sim para aqueles que só conseguem ver
em um gesto o abismo da espontaneidade.
João Gabriel Paixão
Outubro
de 2010
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