A VIDA DURANTE A GUERRA
Todd Solondz, Life During Wartime, Estados Unidos, 2009

Primeira cena: uma mesa de restaurante, um casal. A situação já está dada: ambos estão completamente fragilizados. Closes à la Griffith os tornam ainda mais desamparados, como se a aproximação da câmera os cercasse mais do que os acolhesse. O choro, os soluços e os silêncios são pouco para dar vazão ao que está acontecendo. É porque já aconteceu, alguma coisa aconteceu com eles antes de entrarmos na sala de cinema, e por isso essas emoções desterradas de uma causa nos parecem ao mesmo tempo mais intensas (porque não conseguimos solucioná-las) e mais frágeis (como um testemunho sem provas antecedentes). A Vida Durante a Guerra será, a partir de então, esta aflição das coisas que já aconteceram, mas que ainda não foram resolvidas. Mas o que é isso que já aconteceu, e o que é que ainda precisa ser resolvido? Na mesa do restaurante, o homem diz que está tentando se curar daquilo que ele é, como se fosse uma guerra contra um instinto fundamental. Ele chora feito bebê, é isso o que se mostra – nem seu pecado original, nem seu processo de cura, mas a energia que se gasta, que se tem que gastar. É este desarranjo, em que não se é nem um ideal de desejo, nem um ideal de submissão, com o qual os personagens precisam lidar.

Na segunda sequência, estamos em uma situação aparentemente resolvida. Trata-se de outra mesa de restaurante, só que em um mall aberto no centro do edifício, um lugar arejado e solar, onde um segundo casal, bem mais chique e rico, acabou de se conhecer. Eles estão calmos e talvez alegres, mas aprenderemos ao longo do filme que esses são estados a se desconfiar. Há um imediatismo na caracterização estereotipada, nada sutil de Solondz – provavelmente um aspecto da direção de que muitos reclamariam, certamente porque preferem ter as aparências sociais ornamentadas de forma sutil em um gesto profundo de reverência e, ao mesmo tempo, de dissimulação do social –, que nos auxilia nesta desconfiança: a caracterização corrobora a solidão dos personagens.

A Vida Durante a Guerra não nega o que é aparente. Se os personagens falam de ressentimentos ou aspirações, se emocionam com coisas que já passaram ou que estão por vir, ou seja, se reagem a coisas que não estão acontecendo no campo visível da cena, isso não quer dizer que as aparências estejam sendo diluídas ou contraditas. Há um excesso emocional que ultrapassa o corpo apenas para no fim das contas reafirmá-lo. É necessário o aspecto mundano do real, essa moldura engessada do visível, para servir como terreno desolado (e desolador) às emoções. Por isso, é preciso acreditar quando os personagens choram e no que falam, porque é tudo o que lhes sobra. Mais uma vez o imediato, aquilo para o qual não há nem causas nem conseqüências, o enclausuramento do presente. Quem os vir e não acreditar neles, é porque pretende escapar do presente, organizar o desarranjo. A Vida Durante a Guerra não é para os cínicos que vêem nos outros sempre segundas ou terceiras intenções, que entendem o mundo como uma ambivalência entre vontade e submissão, mas sim para aqueles que só conseguem ver em um gesto o abismo da espontaneidade.

João Gabriel Paixão


 Outubro de 2010