AO MAR
Pedro González-Rubio, Alamar, México, 2009

O cinema serve também para sairmos em uma viagem; viagem, assim, na sua acepção mais ordinária, próxima da idéia de turismo. Em Ao Mar, vamos viajar juntos com um menino de cinco anos para a terra natal de seu pai, um recife de coral no mar caribenho. Claro que se trata de um local exótico sob o signo da contemporaneidade exacerbada do século XXI, um local que se sustenta em uma economia primária (a pesca) e tem uma população diminuta. Mas, se podemos dizer que Ao Mar realmente viaja àquele lugar, esse elogio não diz respeito ao exotismo e ao turismo e poderia servir a qualquer outro lugar, mesmo às mais efervescentes metrópoles. Porque viajar é compreender um ritmo, investigar um espaço e um trabalho, ter a percepção de como se vive.

É interessante como Ao Mar não deixa de se posicionar tal qual o menino em relação àquele lugar. Como a criançaque talvez nunca tenha ido , mas se entrega ao ambiente de uma maneira muito concreta, até pela curiosidade à natureza e pela segurança paterna –, não se tem a noção de longe, de exótico. As coisas estão , presentes no mundo, e aconteceriam mesmo sem a gente. Uma garça é tão próxima quanto seu pai; um snoker é tão alheio quanto uma câmera. Não que seja um filme que incorpore a “percepção infantil”. Falo de um desembaraçamento, de uma falta de vontades e compromissos, de uma entrega ao real. Nada mais longe de representações de imagens mentais, registros afetivos, ou coisa que o valha. O que vale em Ao Mar é filmar o presente: garças que comem insetos, lagostas sendo descamadas. Há uma história em Ao Mar, é a história do mundo, e ela é contada pelas pessoas, pelos bichos, pelo mar e pelo vento, ou seja, através da viagem. Nãonenhum interesse em algo que não seja da experiência destes personagens. A câmera perturba o menos possível o que filma – isso não tem nada a ver com estar ou não encenando. O que interessa está na frente da objetiva, colando-se no ponto de vista dos adultos e da criança. A paisagem, o horizonte, o oceano, tais vastidões existem se justapostas, mensuradas, na altura da nossa própria visão. Ou as filmagens dentro d’água: o que interessa é filmar a pesca, o nado do pescador, as tentativas de escape do pescado e isso tudo envolto no espaço ainda tão misterioso do fundo do mar. Poucas vezes tinha visto um pescador. O que vemos, geralmente, é um conceito do pescador: ora pessoas solitárias e tranqüilas, levadas ao sabor das marolas em uma paisagem monocromática e abstrata (versão: um pescador que também poderia ser um monge, um agricultor, ou que você bem quiser); ora pessoas enérgicas, que trabalham em grupos e enfrentam a fúria de Poseidon (versão que poderia servir a qualquer esportista, militar, maconheiro roqueiro, etc.). Em Ao Mar, não se busca um conceito (uma afirmação prévia do realizador àquilo que posteriormente irá filmar), se busca o trabalho. O que é um pescador? Não pergunto como documentarista, no sentido de documentação, de burocracia como que isenta de reflexão sobre seu objeto – ao contrário, pergunto no sentido de indistingüir documentário e ficção.

Quando o pai e o filho vão à procura da garça, no final do filme, e não conseguem achá-la, o que existe não é a distância e os métodos, a ausência e as hipóteses, a morte; o que existe é o que está perto, é o mangue que sobra na falta da garça, os gritos da procura, o olhar ao vazio que pergunta. Ao mar não busca essa garça, ele busca o presente. E, enquanto o presente existir, talvez possamos continuar a viver e nos fazer perguntas.

João Gabriel Paixão


 Outubro de 2010