Por
cerca de duas horas, Tron: O Legado
oferece a
seu espectador a realização de um dos ideais
deste
início de século: o teletransporte do homem para
um
universo virtual asséptico onde tudo
é
jogo e simulação, adultos brincam de videogame o
tempo
inteiro e conquistam impérios de mentirinha. Um filme para
crianças de todas as idades, como se costuma dizer
(não
que as crianças estejam ficando mais adultas, os adultos
é
que resolveram se comportar como criança). A
infantilização
ampla e generalizada do público é um dos grandes
motivadores dessa continuação tardia do primeiro Tron,
cuja estética synthpop ressurge
turbinada, flertando
com o aspecto vintage mas cuidando para que nada pareça
usado
ou démodé.
O
herói do filme
é o jovem Sam Flynn, filho de Kevin Flynn (Jeff Bridges),
que
foi o criador da Grade, a cidade virtual para a qual Sam é
atraído ao som de Journey e Eurythmics. Chegando
lá,
ele descobre que a Grade, depois de ter escapado ao controle de
Kevin, tornou-se um simulacro futurista do império romano em
plena decadência. Um soberano ambicioso e maluco (Clu) montou
um exército gigante e planeja ampliar seu
domínio,
enquanto a população lota o estádio e
se
entretém com batalhas de gladiadores. Aconchegado num
sofá
para assistir com ar indolente aos espetáculos violentos de
seu coliseu eletrônico, Clu assume a mesma pose dos
imperadores
romanos dos filmes épicos (cf. Nero/Peter Ustinov em Quo
Vadis).
Tron: O
Legado não se esforça para, em posse
de sua
tecnologia avançada, construir uma
ficção
original e desbravadora, limitando-se a repetir os clichês e
as
fórmulas que já deram certo na
ficção
científica do passado recente (Matrix) ou
não
tão recente (Guerra nas Estrelas).
Transposto para a dramaturgia, o sistema binário que
originou
o mundo digital de Tron
se desdobra nas mais
simples oposições
maniqueistas (bem e mal, luz e escuridão, médico
e
monstro, lado bom e lado negro da força). A trama deixa de
ser
minimamente intrigante lá pela metade do filme, quando
percebemos que todos os confrontos e enlaces dramáticos, todos
os
quebra-cabeças narrativos foram pré-fabricados
pela
indústria do entretenimento e vêm com sua
resolução
estampada no verso da embalagem. O que
importa é a sensação de velocidade, o efeito
narcótico
do 3D, o prazer visual e sonoro.
“A
tensão
dramática, de que a arte cinematográfica
é a
expressão, não corre o risco de desaparecer em
proveito
de elementos puramente espetaculares?”, Alexandre Astruc se
perguntou quando da chegada do Cinemascope em 1953 (é claro
que essa pergunta não seria repetida depois que Otto
Preminger, Vincente Minnelli, Chang Cheh e John Carpenter tivessem
realizado suas obras-primas em tela larga). Tron
recoloca a
questão em relação ao Imax: a
tensão
dramática desaparece sob os efeitos espetaculares, uma nova
hierarquia se estabelece, com a opsis reinando
absoluta sobre
o mythos? Nem todos os filmes realizados no formato
conseguirão conciliar o desejo de imersão total
no
espetáculo com a qualidade dramática do enredo,
como
Avatar logrou fazer quase à
perfeição.
Restará, muitas vezes, esse desequilíbrio do qual
Tron
fica sendo, por enquanto, o maior representante.
Luiz Carlos Oliveira Jr.
Janeiro de 2011
|