Sofia Coppola parece sentir
o peso de ter nascido, crescido e vivido como filha
de um homem rico e famoso, e de ter por muito tempo
se acomodado nessa posição. Desde seu primeiro filme,
ela parece refletir sobre (ou talvez a palavra certa
seja apenas espelhar) a vida fácil e monótona de quem
cresceu em shopping centers e quartos de hotel,
comprou todos os artefatos pops e eruditos que desejou,
viveu em subúrbios americanos distantes de qualquer
aspecto do que seja a “vida real”. São as adolescentes
alienadas de Virgens Suicidas, a dupla Bill Murray
+ Scarlett Johansson de Encontros e Desencontros,
a Maria Antonieta do filme homônimo e, agora, a nova
duplinha Stephen Dorff + Elle Fanning de Um Lugar Qualquer.
Se tudo isso é óbvio e explícito, não deixa de ser verdadeiro,
e por isso parece absolutamente natural que esse universo
não muito vasto já alcance, rapidamente, seus próprios
limites. Não é mais possível fugir para o retrato da
vida americana cotidiana (Virgens Suicidas já
o fez, afinal), nem para a recriação histórica (Maria
Antonieta) e, na falta de um novo “mundo” para se
adequar ao próprio, Coppola volta àquele que mais conhece
e com o qual fez seu filme mais célebre: o showbiz.
Assim, faz uma espécie de remake, dois filmes
depois, de Encontros e Desencontros, com o romance
platônico entre Murray e Johansson sendo recontado no
amor paternal entre Dorff e Fanning, e a estranheza
caricatural de um Japão desconhecido substituída pela
naturalidade caricatural de uma Hollywood já codificada.
Os argumentos são claros: temos nos dois filmes a história
de um homem um tanto entediado com seu status de ídolo
e com todas as benesses advindas de tal status, vivendo
em um quase automatismo de ações que, ao encontrar sua
musa salvadora, conhece então algo que o leve para longe
de seu universo fake (será esse algo o amor?),
podendo assim ter uma vida, uma personalidade e uma
série de sentimentos reais. Mais simples (ou
seria simplista?), impossível.
Se for justo dizer que diversos cineastas (alguns dos
maiores, inclusive) dedicaram-se a contar sempre a mesma
história, também é justo dizer que essas histórias sempre
foram ao encontro de um universo de sentimentos amplo
e disponível, e não a um parque de diversões isolado,
contendo os mesmos velhos brinquedos. Coppola faz um
filme para dizer não às máscaras que compõem seu mundo,
mas não sabe filmar outra coisa do que essas próprias
máscaras.
Não há dúvidas que a cineasta tem talento, e mesmo Um Lugar Qualquer,
com seu gosto de prato requentado, prova isso. A capacidade
de construir uma série de pequenas vinhetas cômicas,
na qual a caricatura se confunde indelevelmente com
a doçura, permanece intacta, como pode ser constatado
nas sequências de pole dancing (mas não poderia
ser Bill Murray vendo aquelas dançarinas?), na ida à
Itália, ou mesmo em pequenos detalhes que surgem constantemente
na narrativa. O trabalho com os atores, ainda que o
filme se ressinta do gênio cômico de Murray (mas qual
filme não se ressente?), também. Mas ver Um Lugar Qualquer é quase como comer algodão-doce: bonito, fofo, doce
e impecavelmente vazio.
E por isso Coppola, que poderia ser de fato uma grande
diretora de videoclipes e comerciais, resolve fazer
cinema. Em Um Lugar Qualquer, no entanto, ela tem algo
mais a dizer. Isso talvez apareça de forma clara, e
clarividente, no “epílogo” do filme, o único momento
no qual há uma contribuição original, de fato, a Encontros
e Desencontros, e único momento em que o filme,
enfim, tenta apontar para algum outro. Após a
cena em que Dorff tenta se abrir a Elle enquanto o helicóptero
parte (ou seria Bill Murray sussurrando no ouvido de
Scarlett Johanson?), o filme se alonga por uma série
de seqüências na qual o grande objetivo – pois a partir
de então não se trata mais de sentimentos ou cinema,
mas apenas lição de moral – é mostrar que Dorff agora
decide se libertar desse mundo falso e aprisionador
e, enfim, viver.
A saber: primeiro, ele liga para a ex-mulher chorando
e diz que é um nada (lição de moral parte 1), depois
faz, pela primeira vez na vida, um macarrão, o que constatamos
vendo claramente que ele não sabe cozinhar o básico
(lição de moral parte 2 e ponto de virada), depois se
muda do hotel, símbolo da fantasia e da fugacidade,
onde mora (lição de moral parte 3) para, por fim, ir
sem direção pelo deserto, abandonando seu carro caríssimo
e saindo a pé, rumo ao mundo, rumo ao desconhecido (lição
de moral parte 4 e fim).
No fundo, Sofia Coppola fez Um Lugar Qualquer para acrescentar
a revelação filosófica que tinha ficado de fora de Encontros
e Desencontros. E por mais que esses simbolismos
muitas vezes passem impunes ao serem filmados com sua
sutileza e rigor habituais, eles não deixam, ainda assim,
de serem simbolismos baratos. Mas há quem adore algodão-doce.
Tais simbolismos, no entanto, podem apontar algo positivo,
após o tropeço deste filme: se Coppola filha também
tiver resolvido sair da bolha de sabão e tomado um passo
rumo ao mundo, talvez seu cinema recupere o interesse
que já teve e possa fugir dos quartos de hotel ao quais
permanece preso e dos quais ela, um tanto fingidamente,
parece querer sair. Quem sabe, assim, um dia ela se
torne a grande cineasta que tantos se convencem de que
já é.
Leonardo Levis
Outubro
de 2010
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