Para uns, o
novo filme de Sofia Coppola soará como um passo atrás,
uma repetição de sentimentos pisados em Encontros
e Desencontros e Maria Antonieta, numa narrativa
mais fechada e brutalmente simplificada. Mas é como
se, ao limpar a narrativa dos fusos horários cultural
do Japão e histórico da corte francesa do século XVIII,
Coppola buscasse ir justamente ao essencial da melancolia
que pautava estes seus trabalhos anteriores. Um Lugar Qualquer opera uma depuração formal deste sentimento (a melancolia),
numa tentativa de torná-lo mais palpável por meio de
uma dinâmica rigorosa de cena e de montagem, como se
estivéssemos diante de uma exposição temática (ainda
que também narrativa) de quadros.
O filme começa com uma cena que, mais
do que simplesmente inspirada, parece citar diretamente
Brown Bunny: uma Ferrari dá voltas por um circuito
oval que vemos parcialmente, sempre retornando ao ponto
inicial. O mesmo vazio projetado no asfalto, no movimento
maquínico e sem vida do carro. O resto da narrativa
também guarda algumas semelhanças com o filme de Vincent
Gallo: o carro, a estrada, os encontros, as mulheres,
a mesma frieza. A diferença é, sobretudo, de traço (Gallo
é um expressionista, enquanto Coppola procura a melancolia
no figurativismo). Mas há também uma diferença estrutural
grande, pois em Brown Bunny
a narrativa se apóia sobre um passado que torna o presente
uma experiência aberrante e estéril.
Já em Um Lugar Qualquer, há apenas o
presente. É a vivência isolada e pueril de um quarto
de hotel. O presente em Um Lugar Qualquer passa por essa
imagem isolada, inconsequente, que cortou relações com
tudo o que ultrapassa o aqui e agora dela própria (passado,
história, casa, família). Uma imagem desencantada, direta,
sem fundo, sem mistério – e melancólica exatamente por
esta falta de mistério. Quando um jovem aspirante a
ator timidamente pergunta a Johnny numa festa sobre
seus métodos de atuação, ele responde que não segue
nenhum método específico – depois, emenda algumas rápidas
palavras de força para o rapaz, dizendo que começou
apenas conseguindo alguns testes por meio de agentesomeçou
apenas conseguindo alguns testes por meio de e,om equilr
tonieta. e nça testes com agentes no in. A resposta
é exatamente o que se espera do personagem – ela não
desmascara ou aprofunda nada que já não estivesse evidente
antes no próprio traçado do filme. Justamente porque
nesse presente isolado de Um Lugar Qualquer existe apenas
o que acontece na cena (no quadro); e o que fica da
reciprocidade mortal entre o puxa-saquismo pueril do
garoto e o estereótipo do protagonista é apenas uma
mistura entre a piada, o desconforto e a melancolia.
O filme não é apenas a velha fábula
do astro milionário que descobre que no fundo não possui
nada. Percebe-se o cuidado de uma grande esteta, por
exemplo, durante o número das duas strippers
gêmeas – a beleza sem vida, os movimentos frios; a cena
é completamente brochante. Ou na segurança e na paciência
com que o zoom in e o zoom out são utilizados
para dar ao filme contornos climáticos (o primeiro durante
a sessão da máscara, o segundo na piscina). Há pouca
novidade, no fundo, em dizer que é um filme que opera
mais pelo clima que propriamente pela via dramática
– era mais ou menos a mesma coisa em Encontros e
Desencontros e Maria Antonieta. Mas é isso
que justifica, por exemplo, a duração enxuta dos dois
momentos mais dramáticos do filme (Cleo chorando no
carro, e Johnny depois, ao telefone).
Se o filme emula uma série de clichês
contemporâneos (sensibilidade melancólica, solidão,
fantasmagoria – todos atacados ultimamente aqui
na própria Contracampo), ele sai ileso por sua firmeza
e sua simplicidade: Coppola não esconde o jogo (como
não esconde sua admiração pelo filme de Vincent Gallo),
cada imagem está ali inteira, dada, para ser admirada
ou execrada. É um pequeno filme que demonstra o impressionante
rigor de uma diretora, capaz de manter o equilíbrio
enxuto entre a gag e a tristeza tematizada, além
de dar vida a estereótipos desencantados.
Calac Nogueira
Outubro
de 2010
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