Poucas apropriações póstumas
de obras incompletas podem se orgulhar de não merecerem
a pecha de oportunistas. E O Mágico certamente
não é uma delas. Em que pese a admiração de Sylvain
Chomet por Jacques Tati – perceptível, em seu estilo
um tanto quanto subserviente, desde As Bicicletas
de Belleville –, esta adaptação de um roteiro nunca
filmado de Tati presta um desserviço à sua memória.
Em primeiro lugar, porque nada acrescenta ao universo,
restrito mas gigante, dos filmes que Tati pôde realizar.
Em segundo, porque o aparente intuito de “completar”
sua obra e ao mesmo tempo se filiar artisticamente a
ela é um equívoco completo. E em terceiro, porque o
filme que Chomet faz fere os sentimentos mais grandiosos
presentes em Tati.
Permeado por um pianinho incessante – em trilha composta
pelo próprio Chomet –, O Mágico é um filme sobre
a melancolia do fim de uma era. Mas a preocupação em
desenhar a melancolia, em torná-la óbvia para
além dos traços evidentes de roteiro, faz do sentimento
algo banal e rasteiro e esmaga qualquer graça que o
filme poderia vir a ter. Já a exacerbação da utilização
do som à moda de Tati (falas reduzidas a grunhidos e
mixadas como ruído de fundo) tiram toda a vida da animação
– uma vez que não há presenças diante da câmera,
não há nada que sublime a artificialidade do não-diálogo.
E se todos no filme, assim como Tatischeff, tampouco
falam, não se trata mais de sátira pantomímica: o terreno
da caricatura está instaurado.
Mas caricatura do quê, pergunta-se, se em O Mágico
a aproximação dos personagens é afetiva e a história
é dramática? Ora, há um desequilíbrio brutal na construção
do filme: o distanciamento da “encenação” entra em conflito
direto com os pressupostos melodramáticos da narrativa.
O resultado é que tanto elimina-se a ironia quanto impossibilita-se
o drama sentimental. A relação da menina com Tatischeff
nunca torna-se palpável (com ou sem ambiguidades) e
nunca chegamos a realmente conhecer a relação destes
personagens com o mundo, pois parece que há sempre algo
a nos eludir, sempre um subterfúgio que faz o filme
fugir de confrontá-los e buscá-los pelas bordas.
O personagem de Tati – reproduzido tal e qual – é apenas
um ícone em movimento, uma imagem referencial cujo encanto
reside justamente – e tão somente – nessa referencialidade.
Pois, para além disso, O Mágico em nenhum momento
solicita algo de nossa relação com o mundo para podermos
acessar seu universo ficcional. Nem mesmo em relação
à decadência da era dos pequenos artistas ambulantes
em favor de uma nova era do espetáculo fabricado – a
da televisão e das bandas de rock espalhafatosas. Ou
(subtexto nada sutil): a dos filmes simples e singelos
em favor de grandes arrasa-quarteirões que teriam acabado
com a “magia” dos velhos artesãos, seja lá o que isso
signifique.
Há, efetivamente, um certo comércio da “magia” em voga,
que tenta vender a ideia de um resgate de sentimentos
“anteriores” em relação ao espetáculo (ou ao entretenimento,
ou ao que quer que seja). Essa espécie de regressismo,
que nada mais é do que um sentimento saudosista e conservador
em ação, é perceptível numa parcela considerável do
cinema de arte médio, do qual O Mágico sem dúvida
faz parte. Lágrimas sem razão de ser, pois não há pensamento
sobre o mundo concreto que as acompanhe, e toda a reflexão
que propõem é invariavelmente superficial e sem solo.
Afinal, trata-se apenas de discursos de ocasião, vazios
e descartáveis, como um truque ilusionista barato.
Tatiana Monassa
Janeiro
de 2011
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