Matador profissional que fabrica
armas por encomenda (George
Clooney) se muda para uma bela e pequena cidade labiríntica
no meio da Itália,
a fim de isolar-se do mundo, fugir de seus inimigos e realizar seu
último
trabalho. Lá se envolve com uma mulher e vê a
chance de conquistar a paz que
nunca teve. A estória é clichê, mas
nesses casos o que vale é sempre a maneira
como ela é contada.
Repleto de zonas de
lentidão e silêncio, o filme possui
um tom levemente aparentado ao estilo meticuloso de Melville, embora
seja no
western maneirista de Leone que Anton Corbijn vá sugerir
filiação (em
determinada cena, Era uma Vez no Oeste
está sendo exibido na televisão
de um restaurante). Com esforço, é
possível encontrar uma ou outra ressonância
(herói de poucas palavras, longas esperas que dilatam a
tensão anterior aos
confrontos, iconicidade dos personagens), mas nada para ser analisado
muito a fundo. O que Um Homem Misterioso retoma
do western moderno, de fato, é o
lado crepuscular, a melancolia (e, neste caso, o sarcástico
Leone nem seria a
referência principal), a consciência secreta de que
cada gesto do herói
pertence a um mundo que não existe mais, seu corpo
assimilando a certeza da
morte.
De uma maneira geral, o filme aposta
numa tinta fria que
acaba sendo limitante. A decupagem é demasiadamente
mecânica, assim
como a atuação de George Clooney, cujo personagem
não traz inquietação
trágica,
mas puro vazio existencial. O garoto propaganda da Nespresso
não comporta a
petrificação facial dos heróis tardios
do western (pensar em Gary Cooper em O
Homem do Oeste de Anthony Mann). O rosto de Clooney
não salienta os signos
da erosão do tempo. Ele é galã demais,
homem de menos; não possui a
impassibilidade solene, o rosto eternizado no mármore da
mitologia, o olhar que
se molda à História. George Clooney andando pelas
vielas de uma antiga cidade
italiana apenas confere ao espaço um charme
turístico, uma classe, uma
elegância – como numa propaganda de cerveja belga
ou, justamente, de café espresso.
O cenário é
exuberante, porém está claramente
subaproveitado. Somente nos grandes planos gerais, em que a beleza
natural de
uma cidade histórica rodeada de céu e paisagem se
impõe pela evidência, Corbijn
capta uma imagem forte, ou seja, somente à
distância, e auxiliado por uma
convenção pictórica, ele consegue
partilhar a beleza do espaço. Essa é a grande
deficiência desses cineastas que vêm da
publicidade e/ou do
videoclipe: aprenderam a pensar a imagem antes de ter aprendido a
pensar o
espaço. Eles não têm aquela capacidade
– que espero não ter morrido com Rohmer
– de reunir num mesmo ato perceptivo a compreensão
da estrutura arquitetônica
de um lugar e o registro das impressões que nos chegam por
meio da luz, do som e do movimento. A
composição plástica não
basta; é preciso mergulhar na
substância íntima dos lugares, compreender os
ritmos de vida que lá se cruzam e
se misturam. Só aí podemos falar de um cinema digno do
nosso maior interesse.
Luiz Carlos Oliveira Jr.
Dezembro de 2010
|