Na
cena em que transa
com seu primeiro cliente, há um olhar insistente de Deborah
Secco para a câmera. Estaria Bruna Surfistinha
repetindo
um dos gestos inaugurais do cinema moderno, o olhar-câmera de
uma jovem atriz, a exemplo de Harriet Andersson perto do final de
Monika e o desejo, Jean Seberg no último
plano de
Acossado, Célia Olga Benvenutti em Lilian
M?
Além de quebrar um tabu da mise en
scène tradicional
– que interdita o olhar do ator para a câmera, uma
vez
que o mundo da ficção deve ser mantido a uma
distância
segura do espectador –, as protagonistas desses filmes
afrontam
o espectador com aquele olhar, parecendo lhe dizer: quem é
você para me julgar? Em todos esses filmes, a personagem nos
encara justamente no momento em que confessa ou executa uma
ação
condenável pelos “bons costumes”.
Lilian, no filme
de Carlos Reichenbach, enfrenta a câmera e conta como largou
a
família na roça e foi se prostituir na cidade
grande.
Seu olhar impõe uma maturidade moral por parte do
espectador,
cuja posição diante do filme será
menos
confortável que na ficção
convencional.
Em
Bruna Surfistinha, a
coisa é bem diferente. O olhar-câmera de Deborah
Secco
não tem o ar desafiador e destemido das heroínas
do
cinema moderno. É um olhar até meio sofrido,
frágil,
suplicando a compreensão do espectador – e talvez
o
perdão – por ter deixado a vida de garotinha de
elite
para ser puta. O filme não tem maturidade suficiente para
afrontar, nem coragem para desestabilizar. A saída,
então,
é a mais fácil: a câmera
não-distanciada
do afeto, essa já desgastada
convenção. Estão
lá os planos da personagem andando na rua, seguida de perto
pela câmera, com o entorno completamente desfocado, trilha
sonora etérea
acompanhando. Ou dançando numa boate, flutuando a meio palmo
do chão, entorpecida, música tecno, luzes
piscando. O
mundo reduzido à sensação,
opção
estética que tem sido a camuflagem mais comum dos discursos
conservadores.
Há,
contudo, um filme dentro do filme que é interessante (e
poderia ser mais, caso o diretor perseguisse a fundo seu
desenvolvimento). Esse filme trata da dimensão
econômica
da história de Bruna Surfistinha, que monta seu
próprio
negócio, constrói uma imagem, um site, uma grife,
enfim, elabora uma estratégia de marketing bem sucedida.
Mais
tarde, sobretudo depois da festa em que se oferece de graça
para todos os clientes presentes, o produto se desvaloriza. O
negócio
decai devido a uma nova estratégia de marketing, desta vez,
equivocada. O interesse do diretor nessa parte da história
parece bem autêntico, o que confere a ela uma certa
consistência ausente nos demais momentos. Já que o
filme
é publicitário, que ao menos encare com franqueza
a
publicidade. Mas isso é só um
parêntesis dentro
da narrativa. O resto é linguagem publicitária
lugar
comum, com direito a frases banais projetadas nos prédios da
Avenida Paulista (cena totalmente constrangedora),
narração
em off dispensável
e final ao som de “Fake plastic trees”
(música
mais manjada que cobrança de pênalti com
cavadinha). Um
filme ruim, mas não pior do que a média da
produção
nacional.
Luiz Carlos Oliveira Jr.
Março de 2011
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