No comercial de
isotônico
exibido antes do início da sessão de 127
Horas,
um jovem tenta
superar um desafio, que aumenta a cada gole: “com Gatorade
você
vai mais longe”. Gatorade vende atitude, e não
sais
minerais. A lógica do novo filme de Danny Boyle, que se
anuncia como “uma triunfante história
verdadeira”,
é parecida.
O
Aron Ralston encarnado por James Franco é menos um
personagem
do que um garoto-propaganda. Antes de ficar com o braço
preso
em uma rocha, Ralston é mostrado sempre em movimento
–
quase como se lhe houvesse apenas trinta segundos para vencer o
próximo obstáculo. Ele só repousa,
momentaneamente, quando bebe o líquido azul - em leve
contra-plongèe,
é claro – que lhe dará a energia
necessária
para pedalar ainda mais rápido sua bike
pelas areias de Utah. Óculos escuros e fones de ouvidos
pendurados na cabeça, o rapaz não demonstra
qualquer
interesse pelo cânion que não seja de maneira
intermediada. A natureza parece existir apenas nos visores de LCD das
câmeras que lhe estão sempre à
mão. Boyle
constantemente reforça a idéia da
intermediação,
seja utilizando grafismos que imitam o display de câmera
fotográfica, seja fazendo da música o elemento
chave
para a construção da
sensação de
radicalidade e atitude que emana do personagem.
Apesar
de 127
horas ser vendido como uma história de
superação, não
há processo de aprendizado para Ralston. Já que o
excesso de confiança e a falta de
atenção
causaram o acidente, até poderíamos pensar que
assistiríamos à narrativa de um sujeito que,
depois de
ficar dias preso em uma fenda, aprende a ver a natureza e a valorizar
o outro. Que
a amputação do braço serviria
não só
como um ato de preservação da própria
vida, mas,
também, como metáfora da
libertação. Que,
evidentemente, Boyle acompanharia a mudança de seu
personagem
e adotaria escolhas formais que não lembrassem mais um
comercial de Gatorade.
No
entanto, a primeira ação de Ralston ao se livrar
da
pedra é tirar uma foto. E Boyle, ao filmar o resgate, faz da
música o único som audível na trilha
sonora.
Tudo continua como começou (com a diferença de um
braço
a menos). Não há qualquer esforço em
construir
um mundo concreto em que, apesar de tudo, é
possível
triunfar. Há, apenas, torrentes de imagens gritantemente
óbvias em sua vontade de significar triunfo (Ralston,
braço
único, nadando em slow)
ou qualquer outra coisa, que se tornam absolutamente inofensivas,
banais, como as imagens da atitude no comercial de isotônico.
Wellington Sari
Março de 2011
|