127 HORAS
Danny Boyle, 127 hours, EUA/Inglaterra, 2011

No comercial de isotônico exibido antes do início da sessão de 127 Horas, um jovem tenta superar um desafio, que aumenta a cada gole: “com Gatorade você vai mais longe”. Gatorade vende atitude, e não sais minerais. A lógica do novo filme de Danny Boyle, que se anuncia como “uma triunfante história verdadeira”, é parecida.

O Aron Ralston encarnado por James Franco é menos um personagem do que um garoto-propaganda. Antes de ficar com o braço preso em uma rocha, Ralston é mostrado sempre em movimento – quase como se lhe houvesse apenas trinta segundos para vencer o próximo obstáculo. Ele só repousa, momentaneamente, quando bebe o líquido azul - em leve contra-plongèe, é claro – que lhe dará a energia necessária para pedalar ainda mais rápido sua bike pelas areias de Utah. Óculos escuros e fones de ouvidos pendurados na cabeça, o rapaz não demonstra qualquer interesse pelo cânion que não seja de maneira intermediada. A natureza parece existir apenas nos visores de LCD das câmeras que lhe estão sempre à mão. Boyle constantemente reforça a idéia da intermediação, seja utilizando grafismos que imitam o display de câmera fotográfica, seja fazendo da música o elemento chave para a construção da sensação de radicalidade e atitude que emana do personagem.

Apesar de 127 horas ser vendido como uma história de superação, não há processo de aprendizado para Ralston. Já que o excesso de confiança e a falta de atenção causaram o acidente, até poderíamos pensar que assistiríamos à narrativa de um sujeito que, depois de ficar dias preso em uma fenda, aprende a ver a natureza e a valorizar o outro. Que a amputação do braço serviria não só como um ato de preservação da própria vida, mas, também, como metáfora da libertação. Que, evidentemente, Boyle acompanharia a mudança de seu personagem e adotaria escolhas formais que não lembrassem mais um comercial de Gatorade.

No entanto, a primeira ação de Ralston ao se livrar da pedra é tirar uma foto. E Boyle, ao filmar o resgate, faz da música o único som audível na trilha sonora. Tudo continua como começou (com a diferença de um braço a menos). Não há qualquer esforço em construir um mundo concreto em que, apesar de tudo, é possível triunfar. Há, apenas, torrentes de imagens gritantemente óbvias em sua vontade de significar triunfo (Ralston, braço único, nadando em slow) ou qualquer outra coisa, que se tornam absolutamente inofensivas, banais, como as imagens da atitude no comercial de isotônico.

Wellington Sari


 Março de 2011