63º FESTIVAL DE CANNES

Boxing Gym, Frederick Wiseman, EUA, 2010
(QUINZENA DOS REALIZADORES)


O mais interessante no trabalho de Frederick Wiseman, e nesse Boxing Gym em particular, é seu interesse por aquilo que o cinema, como dispositivo, tem de mais analítico e científico. Seu novo filme tem lá seus bons momentos de conversa, sobre os mais variados assuntos, entre os freqüentadores da academia de boxe onde o filme foi rodado, e é evidente também a vontade de falar sobre a devoção a esse esporte e tudo que ele representa para os seus praticantes (certamente personagens interessantes), mas sem dúvida o maior ponto de interesse que Wiseman encontrou nesse espaço são as possibilidades que ele oferece, diante da câmera, para a realização de um estudo sobre o corpo humano.

É isso que o diretor busca obstinada e laboriosamente registrar, partindo da escolha precisa pelo universo amplo do boxe. O filme impressiona por sua capacidade de observar clinicamente o corpo em trabalho, naquilo que ele tem de mais elementar, naquilo que ele tem de potência. Os enquadramentos de Wiseman são estudados, precisos, criam imagens quase abstratas dos movimentos do boxe e de seu treinamento. Boxing Gym, num certo sentido, tem seus pontos de contato com a vídeo-dança, gênero que invadiu o universo da vídeo-arte nos últimos anos, mas Wiseman é sem dúvida um homem de cinema – alguém que entende de quadro, de montagem (seu novo filme tem uma noção de ritmo impressionante), elementos formais fundamentais para se atingir um bom resultado na tela. Mais do que isso, Boxing Gym representa o interesse por um retorno aos primórdios do cinema – quando este era ainda essencialmente um aparelho que aguçava a curiosidade cientifica do homem do século XIX. Nada de anacrônico nessa proposta, no entanto. Trata-se de um dos filmes mais jovens desse festival – ágil, leve, curioso.


Alice Furtado

Maio de 2010