Le Quattro volte, Michelangelo Frammartino, Itália/Alemanha/Suíça, 2010
(QUINZENA DOS REALIZADORES)
Michelangelo
Frammartino é um diretor estreante em Cannes, no entanto
é
relativamente conhecido pelas platéias européias
por
seu filme anterior, Il dono, em sua passagem pelos
festivais.
De fato, diante deste Le Quattro volte, fica a
constatação
de que se trata de um cineasta digno de atenção.
De
imediato, a impressão é de que Frammartino
é um
aficcionado do plano-seqüência, não como
esteta,
mas como alguém que crê na
duração e na
unidade do plano como o lugar privilegiado da
ação e da
descoberta, ainda que isso implique na espera
quiçá
interminável até que se consiga filmar um momento
de
parto, ou em encenar (maravilhosamente) seres ou objetos
não-encenáveis, como uma árvore ou um
cabrito.
Le
Quattro volte,
tal qual o título sugere, é dividido em quatro
partes.
Na passagem entre cada uma delas, o filme opera uma
alteração
de ponto de vista e, conseqüentemente, de protagonista
– a
árvore e o cabrito, por exemplo, são os
personagens
centrais de duas destas partes. A questão é como
Michelangelo Frammartino articula estes diferentes momentos entre si
a partir de uma lógica de causalidade ao mesmo tempo
caótica
e banal, que pressupõe uma construção
espacial
complexa – é assim que as paisagens da
Calábria,
lugar idílico onde se passa o filme, não
são
apenas objetos dignos de contemplação, mas dados
necessários para a articulação global
do filme.
Precisamos conhecer intimamente esse espaço – onde
fica
a casa do velho pastor (que protagoniza a primeira parte), como ela
se relaciona com a entrada do pasto e como o pequeno vilarejo se
distribui geograficamente para que todo o desenvolvimento narrativo
se passe da forma mais natural possível. O
interesse
está na forma como Frammartino se apropria de certos
clichês
acadêmicos do cinema contemporâneo – a
dilatação
dos tempos mortos, a ausência de falas, a
exacerbação
de uma sensibilidade para a beleza do mundo – para
enquadrá-los
em uma ordem clássica de causa e efeito, contrariando todas
as
expectativas e preconceitos. No limite, trata-se de um filme sobre o
espaço, representado nessa região particular da
Calábria, que põe em cena a
observação ao
mesmo tempo clínica e sentimental dos efeitos do tempo sobre
ele.
Ao
final se conclui que
Le Quattro volte é mais um desses filmes
de narrativa
cíclica, que termina por onde começou. Mas, ao
contrário do que se pode supor, é com extrema
inteligência que Frammartino atualiza essa desgastada
fórmula
para tematizar um desgastado assunto – o ciclo da vida, sobre
o
qual certamente nunca houve abordagem igual. Nada mal para quem se
decepcionou enormemente com a ausência de The Tree
of Life
nesse festival.
Alice Furtado
Maio de 2010
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