VIAJO PORQUE PRECISO, VOLTO PORQUE TE AMO
Karim Aïnouz e Marcelo Gomes, Brasil, 2009

Um geólogo atravessa o sertão nordestino fazendo uma pesquisa de campo para a futura construção de um canal que desviará as águas de um rio e inundará alguns vilarejos. Tema político? Não, “a política não é da minha conta”, diz a narração em off do geólogo. No caminho, ele lembra da ex-mulher e curte uma fossa. O filme vai somando no vazio signos e rostos que colhe ao longo do trajeto. Resultado: setenta minutos de um mesmo sentimento – uma baita dor de cotovelo – sendo reiterado num travelogue solitário, diário íntimo de viagem à beira do autismo. O espaço não ajuda: tudo parece igual, sempre o mesmo, como se não houvesse movimento e mudança; a solidão dos lugares os desdiferencia. Uma inércia se instala: as imagens de Karim Aïnouz e Marcelo Gomes nem operam um deslocamento imaginário do espectador, como na ficção psicológica clássica, nem o afetam fisicamente, como nas obras dos cineastas-artistas que dão ênfase à expressão imediata de sensações. Elas passam por nós de modo inofensivo. Há um registro interessante de um decadentismo brega das locações de beira de estrada. E só. O resto é puro tédio e melancolia chique – toda melancolia é chique, assim como todo tédio; no universo popular com que o filme não dialoga senão através de referências musicais e iconográficas (ou seja, um diálogo todo ele indireto, mediado, quiçá mediatizado), o cara que perde a mulher fica puto, fica triste, mas não entediado e melancólico.

Aïnouz e Gomes trabalham menos um “tema” do que uma “força afetiva” sobre a qual querem realizar quase um documentário, quase uma ficção. Para tanto, adotam uma espécie de visão plástica, um olhar que só capta do mundo as formas primárias, as que contêm poucos significados e muitas qualidades sensórias. Mais um exercício de vibrações de cor do que de representação do espaço. As imagens do filme são emissões afetivas em primeira pessoa, depósitos de impressões subjetivas. Você não vê o corpo do protagonista (ele é uma voz e um olhar – em raros momentos, é também um ouvido), mas vê o interior de suas reações ao mundo. Nenhuma imagem do filme, entretanto, é especialmente forte ou reveladora, todas ou quase todas poderiam muito bem estar numa videoarte clichê. Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo se apresenta assim como um filme em que o grande tema em jogo, no fim das contas, é a sensibilidade de seus diretores-autores, e em que o lugar do outro nada mais é que uma superfície a mais para projetar essa autocelebrada sensibilidade.

Luiz Carlos Oliveira Jr.


 Maio de 2010