O
Escritor
Fantasma não é um filme de suspense em
que uma
trama tétrica ameaça ser desvelada, como foi
convenientemente propagandeado. Trata-se de um filme sobre um
personagem que atua continuamente numa situação
sem
nunca de fato estar nela, sem nunca integrar-se aos acontecimentos ou
deter qualquer tipo de controle sobre o que se passa. Esta seria,
pois, a sua condição de fantasma. Nem mesmo
romper os
dispositivos de segurança da mansão do
ex-primeiro-ministro ele consegue: quando tenta acessar o pendrive
que contém a primeira versão da biografia em que
está
trabalhando e uma série de alarmes toca em seguida, fazendo
crer que é resultado de sua ação,
descobre que
trata-se apenas de um procedimento rotineiro de treinamento.
No
entanto, este
“vulto” sem nome é a âncora do
filme
inteiro, seu único e exclusivo interesse, e protagoniza
todas
as cenas do início ao fim (com exceção
do
prólogo). Isto proporciona à narrativa uma
estratégia
absolutamente favorável para a abordagem de seu tema: os
bastidores sujos do jogo político, distantes da humanidade
dos
homens comuns. Adam Lang, o personagem de Pierce Brosnan, é
este simulacro descarado de Tony Blair, cujas manobras escusas nunca
chegam a atingir a superfície de sua boa aparência
e de
seu porte de garotão. As prisões, torturas e
mortes que
ele teria capitaneado são fatos remotos manuseados pela
palavra (seja a de acusação, seja a de defesa),
da
mesma maneira que toda a história de vida e os
pronunciamentos
oficiais de um político são escritos por uma voz
sem
rosto. Não apenas os acontecimentos factuais são
afastados para o campo da pura especulação, como
a
enunciação toma o lugar de toda e qualquer
responsabilidade por ações materiais.
Mais
do que uma
postura de denúncia, porém, O Escritor
Fantasma
toma o partido da constatação (não
à toa
o filme se cola ao ponto de vista de um personagem sem possibilidade
de ação concreta). E, neste sentido, suas
colocações
são um tanto ousadas: a provocação de
que os EUA
não reconhecem o Tribunal Penal Internacional ao lado do
Iraque, da Coréia do Norte, de Israel, da Rússia
e de
países da África, ou a
afirmação convicta
de Lang de que ninguém dispensaria a rotina de
segurança
desenvolvida pela inteligência adquirida com a tortura num
vôo
que fosse embarcar com a família. Se os filmes de guerra e
os
thrillers políticos da última
década têm
apropriadamente se alimentado da conjuntura internacional
pós-11
de setembro, poucos tiveram a coragem de apresentar de forma
tão
nua o mecanismo frio que estabelece uma distância definitiva
entre os labirintos de interesses dos grandes escalões (e
como
estes são refletidos para o mundo através da
produção
midiática) e o mundo dos fatos, das mortes que ocorrem fora
de
quadro (assim como a morte do “fantasma” no
último
plano do filme).
Mas,
para além
de tudo isto, o maior acerto de Polanski é sem
dúvida
construir um filme que se utiliza do espaço cênico
de
maneira impressionante, emparelhando uma arquitetura precisa das
interações entre os personagens com o controle de
um
ambiente-cenário um tanto restrito, no qual as
tensões
circulam, se condensam e explodem inusitadamente. Há neste O
Escritor Fantasma um quê de A Morte e a
Donzela,
filme que ele dirigiu em 1994: a condução de um
suspense de trama quase impalpável num espaço
limitado,
onde a aderência ao binômio
palavra-ação é
mais importante para o roteiro do que a psicologia dos personagens em
si. E talvez seja exatamente esta a dinâmica que lhe permita
direcionar a atenção do espectador de forma
tão
eficiente e trabalhar uma narrativa com pontos de virada e
conclusão
que desafiam as expectativas mais correntes de desenvolvimento e
conclusão. Deste filme, saímos sem nada
além da
verificação de que os jogos de poder
são
herméticos e operam inexoravelmente de acordo com suas
próprias leis.
Tatiana Monassa
Maio de 2010
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