O ESCRITOR FANTASMA
Roman Polanski, The Ghost Writer, França/Alemanha/Reino Unido, 2010

O Escritor Fantasma não é um filme de suspense em que uma trama tétrica ameaça ser desvelada, como foi convenientemente propagandeado. Trata-se de um filme sobre um personagem que atua continuamente numa situação sem nunca de fato estar nela, sem nunca integrar-se aos acontecimentos ou deter qualquer tipo de controle sobre o que se passa. Esta seria, pois, a sua condição de fantasma. Nem mesmo romper os dispositivos de segurança da mansão do ex-primeiro-ministro ele consegue: quando tenta acessar o pendrive que contém a primeira versão da biografia em que está trabalhando e uma série de alarmes toca em seguida, fazendo crer que é resultado de sua ação, descobre que trata-se apenas de um procedimento rotineiro de treinamento.

No entanto, este “vulto” sem nome é a âncora do filme inteiro, seu único e exclusivo interesse, e protagoniza todas as cenas do início ao fim (com exceção do prólogo). Isto proporciona à narrativa uma estratégia absolutamente favorável para a abordagem de seu tema: os bastidores sujos do jogo político, distantes da humanidade dos homens comuns. Adam Lang, o personagem de Pierce Brosnan, é este simulacro descarado de Tony Blair, cujas manobras escusas nunca chegam a atingir a superfície de sua boa aparência e de seu porte de garotão. As prisões, torturas e mortes que ele teria capitaneado são fatos remotos manuseados pela palavra (seja a de acusação, seja a de defesa), da mesma maneira que toda a história de vida e os pronunciamentos oficiais de um político são escritos por uma voz sem rosto. Não apenas os acontecimentos factuais são afastados para o campo da pura especulação, como a enunciação toma o lugar de toda e qualquer responsabilidade por ações materiais.

Mais do que uma postura de denúncia, porém, O Escritor Fantasma toma o partido da constatação (não à toa o filme se cola ao ponto de vista de um personagem sem possibilidade de ação concreta). E, neste sentido, suas colocações são um tanto ousadas: a provocação de que os EUA não reconhecem o Tribunal Penal Internacional ao lado do Iraque, da Coréia do Norte, de Israel, da Rússia e de países da África, ou a afirmação convicta de Lang de que ninguém dispensaria a rotina de segurança desenvolvida pela inteligência adquirida com a tortura num vôo que fosse embarcar com a família. Se os filmes de guerra e os thrillers políticos da última década têm apropriadamente se alimentado da conjuntura internacional pós-11 de setembro, poucos tiveram a coragem de apresentar de forma tão nua o mecanismo frio que estabelece uma distância definitiva entre os labirintos de interesses dos grandes escalões (e como estes são refletidos para o mundo através da produção midiática) e o mundo dos fatos, das mortes que ocorrem fora de quadro (assim como a morte do “fantasma” no último plano do filme).

Mas, para além de tudo isto, o maior acerto de Polanski é sem dúvida construir um filme que se utiliza do espaço cênico de maneira impressionante, emparelhando uma arquitetura precisa das interações entre os personagens com o controle de um ambiente-cenário um tanto restrito, no qual as tensões circulam, se condensam e explodem inusitadamente. Há neste O Escritor Fantasma um quê de A Morte e a Donzela, filme que ele dirigiu em 1994: a condução de um suspense de trama quase impalpável num espaço limitado, onde a aderência ao binômio palavra-ação é mais importante para o roteiro do que a psicologia dos personagens em si. E talvez seja exatamente esta a dinâmica que lhe permita direcionar a atenção do espectador de forma tão eficiente e trabalhar uma narrativa com pontos de virada e conclusão que desafiam as expectativas mais correntes de desenvolvimento e conclusão. Deste filme, saímos sem nada além da verificação de que os jogos de poder são herméticos e operam inexoravelmente de acordo com suas próprias leis.

Tatiana Monassa


Maio de 2010