Chico
Xavier
tem um início promissor: em um programa da extinta TV Tupi,
o
médium responde a perguntas e é colocado em
vitrine
diante do país. A mesa redonda com os entrevistadores diante
das câmeras alterna-se com o ponto de vista da mesa de
edição,
onde Orlando (Tony Ramos) coordena o programa, ditando zooms,
orquestrando os cortes e dirigindo o apresentador. Tal estrutura
carrega os pontos de inflexão mais interessantes
possíveis
para tratar de uma personalidade como Xavier: a força de sua
presença, o retrato que ele próprio fazia de si,
seu
discurso sobre seu trabalho e suas crenças, a
construção
midiática em paralelo (ou em
sobreposição) e,
por fim, a recepção pela sociedade do fruto do
embate
entre a própria manifestação do
personagem e sua
apresentação pela mídia.
No
entanto, tudo
isto que poderia fazer deste filme um autêntico filme é relegado
a
estratégia narrativa barata, simples trampolim para flashbacks
e nada mais. À potência de imagens capazes de
construir
um discurso sobre o mundo e provocar qualquer tipo de
reflexão,
Daniel Filho prefere o drama corriqueiro sem substância, a
reconstituição
rasa de uma biografia através da
reprodução de
traços icônicos facilmente
reconhecíveis e
reencenação de momentos chave. De um lado, o
personagem
cuja vida heróica será recontada, de outro, uma
trama
familiar banal com a finalidade última de servir para
ilustrar
a grandeza do herói. Grandes planos gerais aéreos
e
figurinos de época dando o tom de minissérie
televisiva
de luxo, enquanto a teleobjetiva que destaca os atores do
cenário
o tempo todo e os planos médios e de conjunto que apenas
desejam fazer a história avançar reproduzem uma
estética de telenovela. Some-se a isto a trupe de atores
televisivos incapazes de inflar a representação
de
qualquer sentido de verdade, e temos mais um filme que se dirige
à
emoção das massas sem
intenção alguma de
construir de fato esta emoção.
Talvez
seja
inadequado exigir de um filme algo que ele nunca poderia ser.
“O
filme cumpre o seu papel” é uma
afirmação
cabível, sem dúvida. Mas será que
apenas
constatar o lugar que as obras ocupam é suficiente? Deveria
o
fato de Daniel Filho desempenhar a função de
garantir
um número xis de espectadores anuais para o cinema
brasileiro
com a confecção de produtos narrativos
bem-acabados e
de ares grandiosos tornar seus filmes imunes a qualquer
análise
de foro propriamente cinematográfico?
Se
insistir, filme
após filme, nas mesmas objeções, ou
alimentar as
dualidades óbvias de sempre parece um contrasenso, ignorar o
fato de que cinema popular (ou cinema comercial) pode (e deve) ser
cinema me parece ainda mais inapropriado. Qual o grande problema de
Chico Xavier, portanto?! É o fato dele
não se
apropriar de seu espaço cênico, de não
apresentar
domínio de uma estrutura narrativa própria, de
reduzir
um personagem cuja história reflete aspectos importantes da
sociedade brasileira ao mínimo denominador comum; em suma,
de
não ir além da mera funcionalidade das cenas, dos
efeitos superficiais do choro e do riso, para arquitetar um mundo
ficcional consistente regido por leis próprias e que guarde
alguma relação dinâmica com o mundo
real.
Tatiana Monassa
Maio de 2010
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