CHICO XAVIER
Daniel Filho, Brasil, 2010

Chico Xavier tem um início promissor: em um programa da extinta TV Tupi, o médium responde a perguntas e é colocado em vitrine diante do país. A mesa redonda com os entrevistadores diante das câmeras alterna-se com o ponto de vista da mesa de edição, onde Orlando (Tony Ramos) coordena o programa, ditando zooms, orquestrando os cortes e dirigindo o apresentador. Tal estrutura carrega os pontos de inflexão mais interessantes possíveis para tratar de uma personalidade como Xavier: a força de sua presença, o retrato que ele próprio fazia de si, seu discurso sobre seu trabalho e suas crenças, a construção midiática em paralelo (ou em sobreposição) e, por fim, a recepção pela sociedade do fruto do embate entre a própria manifestação do personagem e sua apresentação pela mídia.

No entanto, tudo isto que poderia fazer deste filme um autêntico filme é relegado a estratégia narrativa barata, simples trampolim para flashbacks e nada mais. À potência de imagens capazes de construir um discurso sobre o mundo e provocar qualquer tipo de reflexão, Daniel Filho prefere o drama corriqueiro sem substância, a reconstituição rasa de uma biografia através da reprodução de traços icônicos facilmente reconhecíveis e reencenação de momentos chave. De um lado, o personagem cuja vida heróica será recontada, de outro, uma trama familiar banal com a finalidade última de servir para ilustrar a grandeza do herói. Grandes planos gerais aéreos e figurinos de época dando o tom de minissérie televisiva de luxo, enquanto a teleobjetiva que destaca os atores do cenário o tempo todo e os planos médios e de conjunto que apenas desejam fazer a história avançar reproduzem uma estética de telenovela. Some-se a isto a trupe de atores televisivos incapazes de inflar a representação de qualquer sentido de verdade, e temos mais um filme que se dirige à emoção das massas sem intenção alguma de construir de fato esta emoção.

Talvez seja inadequado exigir de um filme algo que ele nunca poderia ser. “O filme cumpre o seu papel” é uma afirmação cabível, sem dúvida. Mas será que apenas constatar o lugar que as obras ocupam é suficiente? Deveria o fato de Daniel Filho desempenhar a função de garantir um número xis de espectadores anuais para o cinema brasileiro com a confecção de produtos narrativos bem-acabados e de ares grandiosos tornar seus filmes imunes a qualquer análise de foro propriamente cinematográfico?

Se insistir, filme após filme, nas mesmas objeções, ou alimentar as dualidades óbvias de sempre parece um contrasenso, ignorar o fato de que cinema popular (ou cinema comercial) pode (e deve) ser cinema me parece ainda mais inapropriado. Qual o grande problema de Chico Xavier, portanto?! É o fato dele não se apropriar de seu espaço cênico, de não apresentar domínio de uma estrutura narrativa própria, de reduzir um personagem cuja história reflete aspectos importantes da sociedade brasileira ao mínimo denominador comum; em suma, de não ir além da mera funcionalidade das cenas, dos efeitos superficiais do choro e do riso, para arquitetar um mundo ficcional consistente regido por leis próprias e que guarde alguma relação dinâmica com o mundo real.

Tatiana Monassa


Maio de 2010