SCUM
Alan Clarke, Reino Unido, 1979

O nome de Alan Clarke esteve em evidência alguns anos atrás quando Gus Van Sant disse que seu Elefante era uma referência direta e explícita ao Elephant do diretor britânico, um impactante média-metragem rodado para a BBC em 1989 que consiste basicamente numa circulação de corpos em lugares quaisquer, geografias frias e desumanizadas, até que um assassinato interrompe o movimento e este tem de recomeçar em outro contexto, com outros corpos e outro espaço. Não há personagens, não há história, tudo se tinge de uma neutralidade assustadora. Como representar a violência se ela já se furta à representação por meio de uma banal mecanicidade? O Elephant de Clarke é a automatização da violência, sua auto-reprodutibilidade técnica. A violência como fato bruto, sem nenhuma dimensão metafísica.

Dez anos antes, em Scum, o tema é praticamente o mesmo, a violência, mas a abordagem é outra. Há personagens e nos envolvemos com eles. O cotidiano de um reformatório é mostrado em toda sua crueldade, num enredo que segue em certa medida as convenções do gênero filme-de-prisão, ainda que filtradas por um olhar que lembra as radiografias institucionais dos primeiros filmes de Frederick Wiseman. Os principais personagens são três recém-chegados ao estabelecimento e mais um antigo encarcerado cujos gostos excêntricos e comentários cultos irritam os funcionários e diretores do reformatório. Algumas cenas, como o plano-seqüência em que um dos jovens espanca um a um seus rivais e se torna líder de sua ala, antecipam a secura de Elephant, mas a violência aqui ainda está carregada de dramaticidade, acoplada a um contexto de resposta sentimental do espectador aos personagens.

Clarke mostra de que maneira a violência institucional retro-alimenta a delinqüência juvenil. O grande vilão do filme é a mentalidade institucional como um todo, é o modo como as coisas estão estruturadas. Mas há uma identificação da violência a este ou aquele comportamento, este ou aquele personagem, este ou aquele acontecimento, ou seja, há uma atribuição da violência a ações individuais que se somam, algo que desaparecerá em Elephant. De Scum a Elephant, a mudança que ocorrerá pode ser resumida como uma passagem do drama ao dispositivo (Made in Britain, de 1982, ajuda a entender ainda melhor essa passagem). Somem os sentimentos, os personagens, a cronologia, a corrente de ações, o pathos. Caímos num mundo onde as conseqüências existem independentemente das causas. A violência se esgota em seu próprio acontecer. Sem motivos, sem remédio.

Luiz Carlos Oliveira Jr.