O
nome de Alan Clarke
esteve em evidência alguns anos atrás quando Gus
Van
Sant disse que seu Elefante era uma
referência direta e
explícita ao Elephant do diretor
britânico, um
impactante média-metragem rodado para a BBC em 1989 que consiste basicamente
numa circulação
de corpos em lugares quaisquer, geografias frias e desumanizadas,
até
que um assassinato interrompe o movimento e este tem de
recomeçar
em outro contexto, com outros corpos e outro espaço.
Não
há personagens, não há
história, tudo se
tinge de uma neutralidade assustadora. Como representar a
violência
se ela já se furta à
representação por
meio de uma banal mecanicidade? O Elephant de
Clarke é a automatização da
violência, sua
auto-reprodutibilidade técnica. A violência como
fato
bruto, sem nenhuma dimensão metafísica.
Dez
anos antes, em Scum, o
tema é praticamente o mesmo, a violência, mas a
abordagem é outra. Há personagens e nos
envolvemos com
eles. O cotidiano de um reformatório é mostrado
em toda
sua crueldade, num enredo que segue em certa medida as
convenções
do gênero filme-de-prisão, ainda que filtradas por
um
olhar que lembra as radiografias institucionais dos primeiros filmes
de Frederick Wiseman. Os principais personagens são
três
recém-chegados ao estabelecimento e mais um antigo
encarcerado
cujos gostos excêntricos e comentários cultos
irritam os
funcionários e diretores do reformatório. Algumas
cenas, como o plano-seqüência em que um dos jovens
espanca
um a um seus rivais e se torna líder de sua ala, antecipam a
secura de Elephant,
mas a violência aqui ainda está carregada de
dramaticidade, acoplada a um contexto de resposta sentimental do
espectador aos personagens.
Clarke
mostra de que maneira a violência institucional
retro-alimenta
a delinqüência juvenil. O grande vilão do
filme é
a mentalidade institucional como um todo, é o modo como as
coisas estão estruturadas. Mas há uma
identificação
da violência a este ou aquele comportamento, este ou aquele
personagem, este ou aquele acontecimento, ou seja, há uma
atribuição da violência a
ações
individuais que se somam, algo que desaparecerá em Elephant.
De Scum a Elephant,
a mudança que ocorrerá pode ser resumida como uma
passagem do drama ao dispositivo (Made in Britain,
de 1982, ajuda a entender ainda melhor essa passagem). Somem os
sentimentos, os personagens, a cronologia, a corrente de
ações,
o pathos. Caímos
num mundo onde as conseqüências existem
independentemente
das causas. A violência se esgota em seu próprio
acontecer. Sem motivos, sem remédio.
Luiz Carlos Oliveira Jr.
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