“História Privada de Revoluções Pessoais”, de Cristian Borges (1998-2000)
I’ll Never
Britain (Reino Unido)
Primavera
de Praga (Tchecoslováquia)
Fardo (Portugal)
Os Gregos (Grécia)
Realizados
dentro do quadro de seu mestrado na Universidade de Bristol, na Inglaterra, os
quatro filmes de Cristian Borges que formam a série “História Privada de
Revoluções Pessoais” são exercícios tornados filmes tornados exercícios. O
equilíbrio entre pesquisa (cultural, de tema, de linguagem, de efeitos) e
expressividade afetiva faz deles agradáveis experiências de fruição nas quais a
dimensão reflexiva nunca perde sua posição de destaque, e nunca ofusca a força
das imagens. Do espectador é exigida uma relação ativa com o fluxo visual,
para, além de apreciar sua beleza, articular os sentidos propostos pela
montagem e pela dialética entre som e imagem.
Mistos de travelog, filme familiar e documentário
ilustrativo, as “revoluções pessoais” transparecem um esforço narrativo
atípico: em meio à captura de um aspecto histórico-cultural qualquer – que traduza
uma certa anima identitária, mas não encerre necessariamente uma concepção amplamente
compartilhada do que seria uma “personificação” da pátria –, a necessidade de
apresentar trechos ficcionais emersos de uma imaginação ligada aos espaços os
afasta de seus possíveis similares. Definitivamente, o impulso de registro do
mundo não é a força motriz da articulação destes filmes, mas o catalisador de
um desejo íntimo de fundir um imaginário pessoal à experiência de uma realidade
(material, intelectual, espiritual) estrangeira. Quando empunhada, portanto, a
câmera não distingue entre imagens encenadas, depoimentos ou captura de
paisagens. E isto faz, de alguma forma, com que cada um dos filmes seja filho
autêntico dos países nos quais se passam (como as cartelas de crédito conscientemente
assumem, aliás).
O menino entrando no buraco de uma porta ao início de I’ll
Never Britain ou o garoto que caminha pelas ruas de Praga em Primavera
de Praga são imagens fortes que nascem diretamente do encanto com as ruas,
as casas, as esquinas, que experimentamos quando nos deixamos absorver pelas calçadas
de cidades desconhecidas, potencializadas em sua carga evocativa pela
associação com a narração e as outras imagens mais “documentais”, por assim
dizer. Não à toa, Cristian Borges afirma que estes são pequenos “contos de
fadas”. A narrativa macro (o espectro das Histórias nacionais com sua carga de
herança indelével marcada nas pedras do solo e na arquitetura) mescla-se com
o percurso inesperado de ficções que surgem com o aspecto de lendas míticas,
embora sejam frutos autênticos de uma sensibilidade particular. Neste sentido, Fardo talvez seja o mais significativo dentre os quatro: senhores e senhoras de
aldeias portuguesas dão corpo à narração de uma história que já nasce
longínqua, ao mesmo tempo em que guarda relações com dados factuais, na qual todas as crianças do lugar desapareceram subitamente, privando
a nação de horizonte futuro e reforçando os laços dos velhos com a terra e o
passado.
Se, como o próprio Borges afirmou no debate que se seguiu à
sessão, o Super 8 atira imediatamente as imagens realizadas para o tempo
passado em termos estéticos, seus filmes utilizam esta propriedade para traduzir um esforço de invenção de um
espaço-tempo imemorial sem ancoragem concreta no mundo real. Eles nos atiram em
direção a um imaginário flutuante no qual a idéia de origem é profundamente
reconfigurada: o olhar apaga seu próprio histórico identitário e se lança em
associações afetivas que visam, de alguma maneira, a estabelecer genealogias imaginadas
para outras culturas, que se constroem na ponte entre si e o outro.
Cativante e envolvente, trata-se de um conjunto de filmes que impregna o espírito
e reverbera para bem além do que a modéstia de sua realização e circulação
pressupõem.
Tatiana Monassa
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