CURTA 8 – FESTIVAL INTERNACIONAL
DE CINEMA SUPER 8 DE CURITIBA
Cobertura diária

Dia 1 - 23/10

Podemos começar nos perguntando sobre o sentido de fazer um festival dedicado a uma bitola de captação (sim, porque grande parte dos filmes realizados em Super 8 são finalizados em outras bitolas, notadamente digitais). Ora, situar-se fora dos padrões adotados pelo mercado significa, por si só, afastar-se dos circuitos de exibição correntes e avizinhar-se  das esferas de “militância” por um espaço para outras formas de expressão. E considerando-se suas origens domésticas e amadoras, podemos dizer que o Super 8 na realidade nunca esteve fora desta esfera, apesar de seu enorme sucesso dentro dos circuitos alternativos e o status cult de que passou a gozar num momento “pós-vanguardas”, por assim dizer. Residiria aí, portanto, a necessidade de abrir uma janela específica para conferir visibilidade a uma produção marginalizada.

Isto leva, no entanto, a um questionamento correlato: de modo geral, o que significa empreender um trabalho com uma bitola claramente diminuída de valor de circulação pela própria lógica de comercialização dos suportes materiais? Resistência artística? Teimosia estética? Curiosidade anedótica? Fetichismo reacionário? Ou simplesmente a busca de uma expressão pessoal como qualquer outra? Tais perguntas podem parecer tolas se considerarmos que filmes realizados em Super 8 circulam desavisadamente em festivais de curtas-metragens ao redor do mundo e que cineastas de longa-metragem freqüentemente se utilizam do formato para fins específicos dentro de trabalhos captados majoritariamente em bitolas “comerciais”. Mas ao nos depararmos com uma seleção baseada neste critério, estas questões acabam por se impor, uma vez que a maior parte dos filmes tem sua existência justificada pela escolha da bitola e não por sua afirmação como construção artística.

Dito isto, cabe ao olhar crítico buscar entender caso a caso a relação entre cineasta e mundo a partir da escolha do formato de captação (o que vale, a rigor, para qualquer filme, embora normalmente não seja algo exatamente evidenciado – seja pelo contexto de exibição, seja pela própria elaboração do trabalho). Bom, a primeira constatação é que, de fato, boa parte desta produção tem como força diretriz a resistência artística, a teimosia estética, a curiosidade anedótica ou o fetichismo reacionário. E que todos manifestam a consciência de sua escolha, seja por um diálogo com uma tradição pregressa (travelogs, filmes familiares), seja pela tentativa de simplesmente explorar as conseqüências estéticas do uso da bitola (filmes ligeiros e precários, experimentações com texturas). De uma forma ou de outra, um dado fica claro, manifestando-se quase como um lastro atávico: a qualidade icônica das imagens e a emergência absoluta do registro como atitude diante do mundo.

Neste sentido, não há como não pensar nas características atribuídas hoje a filmes realizados com celulares: relação tátil entre câmera e real, captura de instantes fugidios, precariedade de composição em favor de uma urgência derivada do “acoplamento” entre a máquina e o corpo do “filmador”. É, aliás, a partir desta compreensão do ato de filmar em Super 8 que a produção do festival promove a oficina Tomada Única, na qual os realizadores selecionados fazem filmes montados “na câmera”, cujo resultado eles apenas contemplam em conjunto com o público. A prática, comum em festivais na Europa, é valiosa justamente na medida em que apresenta produção e exibição como faces indissociáveis da experiência cinematográfica (o que torna-se especialmente verdade no caso dos filmes realizados fora do aparato cinematográfico tradicional).

Enfim, discussões sobre o “específico” estético da bitola, ao mesmo tempo que parecem inevitáveis (pelo que nos dizem os próprios filmes), não nos levam muito além de uma análise geral de um cenário bastante específico e um tanto restrito, cujos personagens são indivíduos ativos que incorporam, em maior ou menor grau, a responsabilidade de manter uma forma de produção/expressão viva com o passar do tempo e a despeito das transformações avassaladoras das práticas de uma arte absolutamente sujeita a imperativos industriais, mesmo em suas manifestações periféricas. Espero nos próximos dias, pois, poder falar dos filmes em si, de cinema, por fim.


Tatiana Monassa