SOLO
Ugo Giorgetti, Solo, Brasil, 2009

A voz de Antonio Abujamra vem, profunda, vasta e sólida, preencher de antemão todo o espaço de que Solo dispõe – sendo timidamente acompanhada do registro frontal do rosto do ator enquanto profere seu fluxo labiríntico de palavras. E, do início ao fim, quase tudo o que temos é a sua voz. É ela que dá corpo à narrativa e que instiga nossa imaginação a ir buscar ilustrações plausíveis para tudo aquilo que ouvimos. Como num autêntico monólogo teatral. Observadas de perto pela câmera, as expressões faciais de Abujamra, em perfeita sintonia com as modulações do texto que ele profere com impressionante propriedade, convertem toda a enunciação em construção progressiva de um personagem ficcional totalmente consistente.

Este personagem, egresso da “boa família paulistana” do passado, é um sujeito ranzinza, que contempla a passagem do tempo e as transformações do seu bairro com amargura. Fazendo aflorar reminiscências diversas com precisão sistemática, ele submerge todas as configurações “modernas” do cotidiano da metrópole por uma espécie de militância da negação de tudo o que há – o que atinge seu paroxismo na repetição obstinada da palavra “não” no último plano. Nele identificamos, ao mesmo tempo, todo o discurso de uma sociedade conservadora, que não ousa elevar sua voz além dos sussurros entre quatro paredes dirigidos àqueles que integram sua “seita”, e uma raiva encruada direcionada ao próprio mecanismo hipócrita do conservadorismo, que não se assume como face proeminente da nossa dinâmica social.

A despeito do sempre instigante posicionar-se de Giorgetti, o filme resulta um desequilibrado misto entre cena teatral e imagem videoartística. O jogo entre primeiro plano (o rosto do ator) e fundo (as imagens diversas que “passeiam” como se fluíssem diretamente da mente do personagem, tomando conta do quadro do filme apenas ocasionalmente) cria uma artificialidade que nos afasta da presença de Abujamra. As duas camadas nunca se fundem de fato num todo – talvez porque os efeitos estéticos implicados pelo uso do cromaqui sejam um tanto distantes daquilo que constitui a força do filme. Arriscaria dizer, inclusive, que trata-se de uma contradição inerente ao projeto: atirar a materialidade de uma presença eminentemente física no magma de imagens voláteis do vídeo é necessariamente descorporificá-la e, assim, neutralizar parte significativa de sua potência.


Tatiana Monassa