A voz de Antonio Abujamra vem, profunda, vasta e sólida, preencher
de antemão todo o espaço de que Solo dispõe – sendo timidamente
acompanhada do registro frontal do rosto do ator enquanto profere seu fluxo
labiríntico de palavras. E, do início ao fim, quase tudo o que temos é a sua
voz. É ela que dá corpo à narrativa e que instiga nossa imaginação a ir buscar
ilustrações plausíveis para tudo aquilo que ouvimos. Como num autêntico
monólogo teatral. Observadas de perto pela câmera, as expressões faciais de
Abujamra, em perfeita sintonia com as modulações do texto que ele profere com
impressionante propriedade, convertem toda a enunciação em construção
progressiva de um personagem ficcional totalmente consistente.
Este personagem, egresso da “boa família paulistana” do
passado, é um sujeito ranzinza, que contempla a passagem do tempo e as
transformações do seu bairro com amargura. Fazendo aflorar reminiscências
diversas com precisão sistemática, ele submerge todas as configurações “modernas”
do cotidiano da metrópole por uma espécie de militância da negação de tudo o
que há – o que atinge seu paroxismo na repetição obstinada da palavra “não” no
último plano. Nele identificamos, ao mesmo tempo, todo o discurso de uma
sociedade conservadora, que não ousa elevar sua voz além dos sussurros entre
quatro paredes dirigidos àqueles que integram sua “seita”, e uma raiva encruada
direcionada ao próprio mecanismo hipócrita do conservadorismo, que não se
assume como face proeminente da nossa dinâmica social.
A despeito do sempre instigante posicionar-se de Giorgetti,
o filme resulta um desequilibrado misto entre cena teatral e imagem
videoartística. O jogo entre primeiro plano (o rosto do ator) e fundo (as
imagens diversas que “passeiam” como se fluíssem diretamente da mente do
personagem, tomando conta do quadro do filme apenas ocasionalmente) cria uma
artificialidade que nos afasta da presença de Abujamra. As duas camadas nunca
se fundem de fato num todo – talvez porque os efeitos estéticos implicados pelo
uso do cromaqui sejam um tanto distantes daquilo que constitui a força do filme.
Arriscaria dizer, inclusive, que trata-se de uma contradição inerente ao
projeto: atirar a materialidade de uma presença eminentemente física no magma
de imagens voláteis do vídeo é necessariamente descorporificá-la e, assim,
neutralizar parte significativa de sua potência.
Tatiana Monassa
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