Na dita “nova onda” do cinema romeno, pouco de novo ou
realmente estimulante nos foi revelado. A euforia de um cinema que se afirma
para o mundo em consonância com um contemplar de vastas possibilidades
pós-regime comunista não parecia se apresentar traduzida em termos formais, ou
seja, numa expressão que traduzisse de alguma forma as problemáticas
aparentemente em pauta (sociedade aberta para o capitalismo consumista,
estruturas estatais enferrujadas e em conflito com a necessidade de movimento).
Corneliu Porumboiu, no entanto, dentre os diretores revelados ao ocidente, talvez
seja aquele cujas proposições cênicas tenham de fato alguma relevância dentro
do cenário contemporâneo, em suas articulações com o contexto local e o
internacional.
Em Polícia, Adjetivo, a pseudo-trama policial
diluída no tempo nos coloca face a face com um detetive cujas intermináveis
rondas inquisitivas parecem estáticas – como um trabalho burocrático atrás de
uma mesa de escritório –, tal o nível de inação nas cenas. Porumboiu parece
buscar aí uma depuração do tempo que se aproxime da experiência vivenciada pelo
personagem, dando efetivamente grande margem ao tédio. Afinal, a Romênia que
ele filma luta contra a inércia. Das leis inflexíveis, do funcionarismo público
preguiçoso, de uma lógica de funcionamento pragmática e acomodada. A mobilidade
estabelece então uma dialética precária com esta estaticidade morta. A câmera
fixa limita-se a movimentos em torno de seu próprio eixo para registrar deslocamentos
dos personagens pelo espaço. A mudança está no horizonte, mas sua chegada é
incerta e manifesta-se pelo nonsense, como o tópico da mudança
ortográfica ou a interminável discussão retórica para justificar a presente aplicação
de uma lei local que dará em breve lugar às leis comuns da União Européia.
O eventual humor, que sempre irrompe beirando o absurdo, é
resultado da exasperação de um olhar eminentemente lógico e racional aplicado à
realidade. Desta forma, o grande momento de ação que se anuncia (o flagrante
dos usuários de droga, finalmente) só nos vem esquadrinhado, traçado em duas
dimensões no papel, planificado enfim. E o clímax do filme é precisamente a
discussão entre o delegado e o policial, na qual o primeiro recorre exaustivamente
ao dicionário para dar corpo e razão à atividade (e por que não dizer também
existência) do segundo. A lei entalhada em pedra subsiste, em todo o seu peso,
esmagando qualquer tentativa de fuga do prescrito. O quadro, rígido,
circunscreve o todo, mantendo-se a certa distância, de modo a instaurar na cena
uma determinada invisibilidade. Há algo em Polícia, Adjetivo que embora
cercado e encurralado (pela falta de movimento, pelas regras e lógicas incansáveis)
foge ao perscrutamento do olhar. Os cigarros que o policial colhe na “cena do
crime”, os laudos de laboratório, o vídeo da música que ouvimos a todo volume,
e por aí vai.
Da mesma forma que em A Leste de Bucareste, em que
tudo se resumia a exercícios de lógica que pudessem revelar algo que
simplesmente não era visível (a evidência em uma imagem da participação de uma
pequena cidade na Revolução Romena), Polícia, Adjetivo cria uma grande
estrutura para revelar um vazio. A grande questão do projeto de Porumboiu,
porém, é o fato de que toda a significação está na estrutura, no arcabouço
intelectual montado, e a matéria do filme termina por se revelar frágil, quase
insustentável. As questões levantadas são vastas, os processos mentais
despertados numerosos, mas a substância do universo filmado nunca chega a
encontrar propriamente um sustentáculo que pudesse lhe dar um sentido potente e
arrebatador.
Tatiana Monassa
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