Polícia, Adjetivo
Corneliu Porumboiu, Politist, adjectiv, Romênia, 2009

Na dita “nova onda” do cinema romeno, pouco de novo ou realmente estimulante nos foi revelado. A euforia de um cinema que se afirma para o mundo em consonância com um contemplar de vastas possibilidades pós-regime comunista não parecia se apresentar traduzida em termos formais, ou seja, numa expressão que traduzisse de alguma forma as problemáticas aparentemente em pauta (sociedade aberta para o capitalismo consumista, estruturas estatais enferrujadas e em conflito com a necessidade de movimento). Corneliu Porumboiu, no entanto, dentre os diretores revelados ao ocidente, talvez seja aquele cujas proposições cênicas tenham de fato alguma relevância dentro do cenário contemporâneo, em suas articulações com o contexto local e o internacional.

Em Polícia, Adjetivo, a pseudo-trama policial diluída no tempo nos coloca face a face com um detetive cujas intermináveis rondas inquisitivas parecem estáticas – como um trabalho burocrático atrás de uma mesa de escritório –, tal o nível de inação nas cenas. Porumboiu parece buscar aí uma depuração do tempo que se aproxime da experiência vivenciada pelo personagem, dando efetivamente grande margem ao tédio. Afinal, a Romênia que ele filma luta contra a inércia. Das leis inflexíveis, do funcionarismo público preguiçoso, de uma lógica de funcionamento pragmática e acomodada. A mobilidade estabelece então uma dialética precária com esta estaticidade morta. A câmera fixa limita-se a movimentos em torno de seu próprio eixo para registrar deslocamentos dos personagens pelo espaço. A mudança está no horizonte, mas sua chegada é incerta e manifesta-se pelo nonsense, como o tópico da mudança ortográfica ou a interminável discussão retórica para justificar a presente aplicação de uma lei local que dará em breve lugar às leis comuns da União Européia.

O eventual humor, que sempre irrompe beirando o absurdo, é resultado da exasperação de um olhar eminentemente lógico e racional aplicado à realidade. Desta forma, o grande momento de ação que se anuncia (o flagrante dos usuários de droga, finalmente) só nos vem esquadrinhado, traçado em duas dimensões no papel, planificado enfim. E o clímax do filme é precisamente a discussão entre o delegado e o policial, na qual o primeiro recorre exaustivamente ao dicionário para dar corpo e razão à atividade (e por que não dizer também existência) do segundo. A lei entalhada em pedra subsiste, em todo o seu peso, esmagando qualquer tentativa de fuga do prescrito. O quadro, rígido, circunscreve o todo, mantendo-se a certa distância, de modo a instaurar na cena uma determinada invisibilidade. Há algo em Polícia, Adjetivo que embora cercado e encurralado (pela falta de movimento, pelas regras e lógicas incansáveis) foge ao perscrutamento do olhar. Os cigarros que o policial colhe na “cena do crime”, os laudos de laboratório, o vídeo da música que ouvimos a todo volume, e por aí vai.

Da mesma forma que em A Leste de Bucareste, em que tudo se resumia a exercícios de lógica que pudessem revelar algo que simplesmente não era visível (a evidência em uma imagem da participação de uma pequena cidade na Revolução Romena), Polícia, Adjetivo cria uma grande estrutura para revelar um vazio. A grande questão do projeto de Porumboiu, porém, é o fato de que toda a significação está na estrutura, no arcabouço intelectual montado, e a matéria do filme termina por se revelar frágil, quase insustentável. As questões levantadas são vastas, os processos mentais despertados numerosos, mas a substância do universo filmado nunca chega a encontrar propriamente um sustentáculo que pudesse lhe dar um sentido potente e arrebatador.


Tatiana Monassa