O registro familiar de Alain
Cavalier, aqui impulsionado
pelo resgate das memórias relacionadas a Irène,
sua falecida mulher, constitui
um bem-sucedido meio-termo entre cine-diário e narrativa
abstrata. Partindo de
suas próprias palavras registradas em diários de
papel nos anos 70, o cineasta
embarca num fluxo de consciência que o faz buscar imagens de
“mementos” de experiências
passadas. Sua voz nos embala numa narrativa composta de pequenas cenas
que
puxam outras cenas na qual o fio condutor é justamente a
memória afetiva daquele
que narra. Na tela, fotografias, cenários vazios e objetos
tentam dar corpo ao
que contam as palavras, configurando-se na realidade como
subsídios materiais
para a confecção imaginária pelo
espectador do que seria a ilustração das
ações
em si.
O resultado é um
envolvente misto de fruição do relato com a
apreciação visual de
“evidências” que não possuem
valor em si, no qual a
identificação afetiva não é
com o objeto, mas com a própria sensibilidade do
narrador. A tensão entre som e imagem ganha sentido pelo tom
confessional de
Cavalier, por sua afirmação como o detentor
genuíno (e único) deste relato
sentimental íntimo. No entanto, quando ele se descola da
“personagem” de Irène
e repousa a câmera e as palavras sobre si próprio,
o filme perde bastante do seu
encanto. Mais do que o auto-filme, interessa em seu projeto a
possibilidade de embarcar
num balé de imagens que não visam à
completude de uma idéia, mas a
revelação
parcial e fragmentada de verdades (sejam de acontecimentos, sejam de
sentimentos). Nos intervalos entre um causo e outro, entre um plano
vagamente
simbólico e outro, Cavalier tangencia o mistério
do desconhecido em passagens
de significativa beleza.
Tatiana Monassa
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