IRENE
Alain Cavalier, Irène, França, 2009

O registro familiar de Alain Cavalier, aqui impulsionado pelo resgate das memórias relacionadas a Irène, sua falecida mulher, constitui um bem-sucedido meio-termo entre cine-diário e narrativa abstrata. Partindo de suas próprias palavras registradas em diários de papel nos anos 70, o cineasta embarca num fluxo de consciência que o faz buscar imagens de “mementos” de experiências passadas. Sua voz nos embala numa narrativa composta de pequenas cenas que puxam outras cenas na qual o fio condutor é justamente a memória afetiva daquele que narra. Na tela, fotografias, cenários vazios e objetos tentam dar corpo ao que contam as palavras, configurando-se na realidade como subsídios materiais para a confecção imaginária pelo espectador do que seria a ilustração das ações em si.

O resultado é um envolvente misto de fruição do relato com a apreciação visual de “evidências” que não possuem valor em si, no qual a identificação afetiva não é com o objeto, mas com a própria sensibilidade do narrador. A tensão entre som e imagem ganha sentido pelo tom confessional de Cavalier, por sua afirmação como o detentor genuíno (e único) deste relato sentimental íntimo. No entanto, quando ele se descola da “personagem” de Irène e repousa a câmera e as palavras sobre si próprio, o filme perde bastante do seu encanto. Mais do que o auto-filme, interessa em seu projeto a possibilidade de embarcar num balé de imagens que não visam à completude de uma idéia, mas a revelação parcial e fragmentada de verdades (sejam de acontecimentos, sejam de sentimentos). Nos intervalos entre um causo e outro, entre um plano vagamente simbólico e outro, Cavalier tangencia o mistério do desconhecido em passagens de significativa beleza.

Tatiana Monassa