INDEPENDÊNCIA
Raya Martin, Independencia, Filipinas/França/Alemanha/Holanda, 2009

Raya Martin tem sido muito bem recebido no circuito internacional de festivais de cinema. Bastante jovem (vinte e poucos anos) e prolífico (já fez uma meia-dúzia de longas-metragens), ele tem as doses necessárias de exotismo e novidade requeridas para adentrar à galeria do world cinema. O projeto que leva adiante em Independência é o de reconstruir episódios cruciais da história de seu país, as Filipinas, dando vida a um arquivo fantasma, uma imagem do passado que só existe no presente. Ao fazer filmes que se passam no final do século XIX ou no primeiro quarto do século XX emulando algumas características de dramaturgia e estilo típicas desses períodos, é como se ele iluminasse um sítio arqueológico até então ignorado pela história do cinema.

Tanto A Short Film About the Indio Nacional quanto Independência são filmes, ao menos em aparência, realizados sob o deslumbre de um primeiro contato com aquele poder de fixação de um espírito do tempo que a distância de décadas transformou na grande evidência do cinema mudo. A opção estética é justificada também por um uso político das imagens, já que ele vincula o visual dos filmes ao período histórico em questão – as técnicas adotadas em Indio Nacional e Independência remetem, respectivamente, ao fim da ocupação espanhola nas Filipinas e ao conturbado período neocolonial que se segue sob domínio dos americanos.

Arrancados da comunidade e exilados no coração da natureza selvagem como célula familiar mínima (um homem, uma mulher e uma criança), os personagens principais de Independência se acham divididos entre o universo das necessidades materiais e aquele – igualmente real – da vida interior, do sonho. Os cenários de estúdio com fundo pintado (trompe l'oeil), a maquiagem carregada e a velocidade ralentada do registro constituem apenas o lado mais superficial da conexão do filme com o passado cinematográfico. No seu melhor, o que Independência recupera de fato é a vocação do cinema – manifestada com vigor em algumas obras-primas feitas em torno de 1920 – para a representação do homem em seu contato direto com as leis brutais da existência e com a força grandiosa da natureza. A cena da chuva torrencial, a mais bonita do filme, lembra as tempestades de neve de Gunnar Hedes Saga (Mauritz Stiller, 1923) e Os Proscritos (Victor Sjöström, 1918), assim como a tormenta atravessada por Lillian Gish no clímax de Way Down East (Griffith, 1920).

O regressismo parece uma conseqüência inevitável desse projeto que se encasula no mundo-das-imagens e filtra a consciência histórica através da visão quase infantil de um Éden cinematográfico redescoberto. Ainda assim, Raya Martin prova de modo muito interessante que uma perspectiva materialista da história, no cinema, não a impede de ser abordada também como narrativa de espíritos, como fábula estilizada.

Luiz Carlos Oliveira Jr.