Raya
Martin tem sido
muito bem recebido no circuito internacional de festivais de cinema.
Bastante jovem (vinte e poucos anos) e prolífico
(já
fez uma meia-dúzia de longas-metragens), ele tem as doses
necessárias de exotismo e novidade requeridas para adentrar
à
galeria do world cinema. O projeto que leva adiante
em
Independência é o de reconstruir
episódios
cruciais da história de seu país, as Filipinas,
dando
vida a um arquivo fantasma, uma imagem do passado que só
existe no presente. Ao fazer filmes que se passam no final do
século
XIX ou no primeiro quarto do século XX emulando algumas
características de dramaturgia e estilo típicas
desses
períodos, é como se ele iluminasse um
sítio
arqueológico até então ignorado pela
história
do cinema.
Tanto A Short Film About the Indio Nacional
quanto
Independência são filmes, ao
menos em aparência,
realizados sob o deslumbre de um primeiro contato com aquele
poder de fixação de um espírito do
tempo que a
distância de décadas transformou na grande
evidência
do cinema mudo. A opção estética
é
justificada também por um uso político das
imagens, já
que ele vincula o
visual dos filmes
ao período histórico em questão
– as
técnicas adotadas em Indio Nacional
e Independência
remetem, respectivamente, ao fim da ocupação
espanhola
nas Filipinas e ao conturbado período neocolonial que se
segue
sob domínio dos americanos.
Arrancados
da comunidade e exilados no coração da natureza
selvagem como célula familiar mínima (um homem,
uma
mulher e uma criança), os personagens principais de
Independência se
acham divididos entre o universo das necessidades materiais e aquele
– igualmente real – da vida interior, do sonho. Os
cenários de estúdio com fundo pintado (trompe
l'oeil), a
maquiagem carregada e
a velocidade ralentada do registro constituem apenas o lado mais
superficial da conexão do filme com o passado
cinematográfico.
No seu melhor, o que Independência
recupera de
fato é a vocação do cinema –
manifestada
com vigor em algumas obras-primas feitas em torno de 1920 –
para a representação do homem em seu contato
direto com
as leis brutais da existência e com a força
grandiosa da
natureza. A cena da chuva torrencial, a mais bonita do filme, lembra
as tempestades de neve de Gunnar Hedes Saga (Mauritz
Stiller, 1923) e Os Proscritos (Victor
Sjöström, 1918), assim como a tormenta
atravessada
por Lillian Gish no clímax de Way Down East
(Griffith,
1920).
O
regressismo parece uma conseqüência
inevitável
desse projeto que se encasula no mundo-das-imagens e filtra a
consciência histórica através da
visão
quase infantil de um Éden cinematográfico
redescoberto.
Ainda assim, Raya Martin prova de modo muito interessante
que
uma perspectiva materialista da história, no cinema,
não
a impede de ser abordada também como narrativa de
espíritos,
como fábula estilizada.
Luiz Carlos Oliveira Jr.
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