Quebrando
jejum de seis anos sem fazer longas-metragens (o último
havia
sido Em Carne Viva, de
2003), Jane Campion reaparece com um filme sobre o envolvimento do
poeta romântico John Keats com sua vizinha Fanny Brawne, em
Londres, começo do século XIX. A
relação
é dificultada, em primeiro lugar, porque Keats
não tem
onde cair morto (ele vive da caridade de amigos pertencentes ao
círculo intelectual londrino). Para piorar, na segunda
metade
do filme ele passa a sofrer do “mal do
século”, a
tuberculose.
Embora incorpore o caráter intenso dos
sentimentos do jovem casal, o drama é encenado
com
delicadeza, quase sussurrado. A
primeira cena se compõe de planos-detalhe de uma
mão
feminina (a da Srta. Brawne) costurando um tecido. Jane Campion introduz
desde já a simplicidade do filme (ninguém
será
visto em atividades grandiosas), sua necessidade de
penetrar na intimidade de pequenos gestos, enxergá-los por
uma
lente de aumento, assim como sua vontade
de
apreender também a contextura do tecido, a qualidade
sensória
da superfície em que a luz incide. Campion conscientemente
se
distancia daquele deslumbramento pela pompa aristocrática
que
orienta a estética da maioria dos filmes de
época,
sobretudo os ambientados na Inglaterra oitocentista, para representar
episódios comuns e simples, tranqüilas observações
de
cenas domésticas que ela transforma em poesia singela e
discreta. Ela não tenta nos impressionar com roupagens
esplêndidas e temas espetaculares. Conversas, passeios a dois
e
repousos frugais são algumas das
ações
que privilegia.
Um
dos grandes atrativos de Brilho de uma
Paixão
é a fotografia assinada por
Greig Fraser. Em cada cena do filme
a luz é concebida como um elemento verdadeiramente atuante
na
composição do quadro, sobretudo nas
belíssimas
cenas rodadas em interiores, que certamente
foram inspiradas em alguns mestres da pintura holandesa do
século
XVII (Vermeer, Pieter de Hooch). É possível
realmente
ver a luz entrando
pela janela ou irradiando de candelabros e realçando um
pedaço
de tecido ou de pele. Praticamente todas as cenas internas possuem
essa fonte de iluminação lateral, que deixa
sempre uma
parte do cenário e dos corpos mais reluzente que a outra. Nas externas a luz se apresenta mais homogênea. Os
amantes se dissolvem por dentro, mas Fraser e Campion mantêm
o
mundo à volta deles bastante sólido, dando
precisão
e firmeza às formas. Estas, não obstante,
tornam-se
visíveis por suaves toques de luz, ou seja, sem a dureza que
uma fotografia tão rigorosa em suas escolhas poderia acarretar.
O
filme não incentiva uma visão romantizada da
criação
poética. O próprio Keats não parece
muito
convicto do caminho que o leva à poesia. Ademais, como diria
Paul Valéry (também poeta), “a
consciência
das operações do pensamento só existe
raramente,
mesmo nas cabeças mais fortes”. Mais interessada
na
relação amorosa entre um homem e uma mulher do
que em
desvendar o mistério do gênio romântico,
Jane
Campion acaba por preferir filmar os detalhes (um ouvido
atrás
da porta, uma brincadeira, um encontro de mãos) que tornam
singular e única a história de John e Fanny.
Luiz Carlos Oliveira Jr.
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