BRILHO DE UMA PAIXÃO
Jane Campion, Bright Star, Reino Unido/Austrália, 2009

Quebrando jejum de seis anos sem fazer longas-metragens (o último havia sido Em Carne Viva, de 2003), Jane Campion reaparece com um filme sobre o envolvimento do poeta romântico John Keats com sua vizinha Fanny Brawne, em Londres, começo do século XIX. A relação é dificultada, em primeiro lugar, porque Keats não tem onde cair morto (ele vive da caridade de amigos pertencentes ao círculo intelectual londrino). Para piorar, na segunda metade do filme ele passa a sofrer do “mal do século”, a tuberculose.

Embora incorpore o caráter intenso dos sentimentos do jovem casal, o drama é encenado com delicadeza, quase sussurrado. A primeira cena se compõe de planos-detalhe de uma mão feminina (a da Srta. Brawne) costurando um tecido. Jane Campion introduz desde já a simplicidade do filme (ninguém será visto em atividades grandiosas), sua necessidade de penetrar na intimidade de pequenos gestos, enxergá-los por uma lente de aumento, assim como sua vontade de apreender também a contextura do tecido, a qualidade sensória da superfície em que a luz incide. Campion conscientemente se distancia daquele deslumbramento pela pompa aristocrática que orienta a estética da maioria dos filmes de época, sobretudo os ambientados na Inglaterra oitocentista, para representar episódios comuns e simples, tranqüilas observações de cenas domésticas que ela transforma em poesia singela e discreta. Ela não tenta nos impressionar com roupagens esplêndidas e temas espetaculares. Conversas, passeios a dois e repousos frugais são algumas das ações que privilegia.

Um dos grandes atrativos de Brilho de uma Paixão é a fotografia assinada por Greig Fraser. Em cada cena do filme a luz é concebida como um elemento verdadeiramente atuante na composição do quadro, sobretudo nas belíssimas cenas rodadas em interiores, que certamente foram inspiradas em alguns mestres da pintura holandesa do século XVII (Vermeer, Pieter de Hooch). É possível realmente ver a luz entrando pela janela ou irradiando de candelabros e realçando um pedaço de tecido ou de pele. Praticamente todas as cenas internas possuem essa fonte de iluminação lateral, que deixa sempre uma parte do cenário e dos corpos mais reluzente que a outra. Nas externas a luz se apresenta mais homogênea. Os amantes se dissolvem por dentro, mas Fraser e Campion mantêm o mundo à volta deles bastante sólido, dando precisão e firmeza às formas. Estas, não obstante, tornam-se visíveis por suaves toques de luz, ou seja, sem a dureza que uma fotografia tão rigorosa em suas escolhas poderia acarretar.

O filme não incentiva uma visão romantizada da criação poética. O próprio Keats não parece muito convicto do caminho que o leva à poesia. Ademais, como diria Paul Valéry (também poeta), “a consciência das operações do pensamento só existe raramente, mesmo nas cabeças mais fortes”. Mais interessada na relação amorosa entre um homem e uma mulher do que em desvendar o mistério do gênio romântico, Jane Campion acaba por preferir filmar os detalhes (um ouvido atrás da porta, uma brincadeira, um encontro de mãos) que tornam singular e única a história de John e Fanny.

Luiz Carlos Oliveira Jr.