TULPAN
Sergey Dvortsevoy, Tulpan, Alemanha/Suíça/Cazaquistão/Rússia/Polônia, 2008

No início, Tulpan parece mais um filme sobre a vida e os costumes de uma comunidade distante transfigurados em drama familiar e filmados de forma semi-documental. Mas aos poucos, nos damos conta de que algo ali escapa a definições simplistas. Em longos planos-seqüência, a câmera oscila entre as ações simultâneas dos personagens, criando um ritmo agitado que mais parece a tradução de um estado de espírito. Viver nas estepes malásias é, de acordo com Dvortsevoy, viver em ação comunitária e de sobrevivência. E, muito habilmente, ele faz o drama se insinuar em meio à simples expressão de cada um de seus personagens, figuras peculiares que nunca conseguimos apreender de forma total.

Mas o que mais impressiona em Tulpan é o fenomenal trabalho de câmera. Trabalho mesmo, no sentido de ação construtiva no espaço, pois a câmera é praticamente uma entidade de presença invisível no ambiente da ficção e é sua movimentação que entabula a narrativa, que estabelece tensões e cria ritmos. O aparente esforço de “adesão ao real” ganha então outras conotações: não se trata de um falso documentário, nem de uma declarada auto-representação por parte dos atores-personagens. Dvortsevoy ignora essas categorizações e apresenta algo muito mais instigante: uma linha dramática claramente ficcional tecida a partir da autencidade do registro. A captura de momentos inegavelmente autênticos e únicos, como as tempestades de areia e o nascimento do filhote de ovelha, impressionam pela força de “atualidade” sendo filmada (notavelmente pelo uso sem trégua do plano-seqüência), ao mesmo tempo em que anunciam sem pudores sua importância dramática para o desenrolar do filme. A cena do nascimento do filhote, aliás, mereceria um tratado à parte: clímax absoluto, ela carrega uma tensão digna da mais dedicada construção clássica, mas que advém sobretudo da potência do registro documental de uma interação ator-natureza.


Tatiana Monassa