No início, Tulpan parece mais
um filme sobre a vida e os costumes de uma comunidade distante transfigurados
em drama familiar e filmados de forma semi-documental. Mas aos poucos, nos
damos conta de que algo ali escapa a definições simplistas. Em longos planos-seqüência,
a câmera oscila entre as ações simultâneas dos personagens, criando um ritmo agitado
que mais parece a tradução de um estado de espírito. Viver nas estepes malásias
é, de acordo com Dvortsevoy, viver em ação comunitária e de sobrevivência. E,
muito habilmente, ele faz o drama se insinuar em meio à simples expressão de
cada um de seus personagens, figuras peculiares que nunca conseguimos apreender
de forma total.
Mas o que mais impressiona em Tulpan é o fenomenal trabalho de câmera. Trabalho mesmo, no sentido de ação construtiva
no espaço, pois a câmera é praticamente uma entidade de presença invisível no ambiente
da ficção e é sua movimentação que entabula a narrativa, que estabelece tensões
e cria ritmos. O aparente esforço de “adesão ao real” ganha então outras
conotações: não se trata de um falso documentário, nem de uma declarada auto-representação
por parte dos atores-personagens. Dvortsevoy ignora essas categorizações e
apresenta algo muito mais instigante: uma linha dramática claramente ficcional
tecida a partir da autencidade do registro. A captura de momentos
inegavelmente autênticos e únicos, como as tempestades de areia e o nascimento
do filhote de ovelha, impressionam pela força de “atualidade” sendo filmada
(notavelmente pelo uso sem trégua do plano-seqüência), ao mesmo tempo em que
anunciam sem pudores sua importância dramática para o desenrolar do filme. A
cena do nascimento do filhote, aliás, mereceria um tratado à parte: clímax
absoluto, ela carrega uma tensão digna da mais dedicada construção clássica,
mas que advém sobretudo da potência do registro documental de uma interação
ator-natureza.
Tatiana Monassa
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