Qual o sentido de impregnar a câmera de desafecção quando o
impulso primeiro é dar voz a um maneirismo “afetado”? Ao buscar o
distanciamento dos personagens e filmá-los como figurantes de sua própria
história, passantes interceptados por um olhar observador, nada mais, Jaime
Rosales não constrói um filme conceitual, cuja estrutura significante traga densidade
à narrativa e potencialize seu efeito, mas um relato tedioso incapaz de
suscitar adesão alguma às ações registradas. Como afirmar que o olhar
distanciado, situado na esfera pública e desacompanhado da capacidade de
audição, corresponderia ao de um espião-voyeur, coadunando-se com a
trama, se a imagem não demonstra desejo por aquilo que capta? A vontade de ver definitivamente não pauta os planos do filme, tornando impossível intuir
sentidos para gestos esvaziados de suas razões ou provocar o interesse inquieto
que nos faria juntar peças e estabelecer conexões, criar uma sucessão
minimamente coerente de acontecimentos que preparasse o suspense para o momento
tão aguardado pelo filme: o do atentado que justifica suas existência e forma.
Mais grave que a inconsistência formal de Tiro na Cabeça,
no entanto, é sua inabilidade de trabalhar o personagem principal. Relegado a
plano de fundo, ele torna-se parte do cenário ali onde deveria ser o foco de
atenção principal. Os planos aproximados, também desprovidos do som dos
diálogos, causam um descolamento completo do que está sendo filmado, que
termina por se transfigurar num desrespeito a tudo aquilo que o projeto do
filme quer nos fazer crer. Que aquele é um homem ordinário, que vive e executa
ações cotidianas como todos nós, mas que isso não o impede de tomar parte num elaborado
atentado homicida. Bem, antes de mais nada, este homem não cativa, não tem
presença magnetizante, não é propriamente oferecido ao nosso afeto de espectador. Em segundo
lugar, estes planos próximos freqüentemente desautorizam a estrutura ostentada, de um
pseudo olhar clandestino, com o intuito de permitir que a narrativa avance. É o caso,
sobretudo, da seqüência final, em que vemos o carro entrar na floresta e a mulher ser
amarrada na árvore a partir de um ponto de vista qualquer que apenas demonstra
a ação. O diferencial sendo apenas o som ambiente que domina a trilha sonora,
repleto de ruídos, e o eco que abafa todos os sons vindos cuja
fonte se situaria distante. Em termos de sutilezas de intrigas de atentado,
incluindo as observações distanciadas que não dominam a trama e colhem
informações por evidências visuais, podemos dizer que Steven Spielberg as filmou muito
melhor em Munique.
Tatiana Monassa
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