Ao assistir um filme como The Chaser, me parece
inevitável pensar na adequação do olhar do espectador ao contexto ao qual o
filme pertence, ou àquele em que ele é apresentado. No caso deste, trata-se
claramente de um filme de gênero realizado dentro da poderosa indústria do
cinema coreano. Um filme policial permeado pelo “jogo sujo” de todos os lados,
no qual os picos de adrenalina são o objetivo principal. Exibido (fora de
competição) no Festival de Cannes, no entanto, ele adquiriu a aura de um filme portador
de um diferencial, de uma marca de autoralidade qualquer, ou de uma proposição
que fuja do trivial. E é assim que de lá ele saiu para ser vendido aos
circuitos exibidores ocidentais.
Mas o que em sua conjugação de um roteiro mal concatenado com
explosões de agressividade de toda sorte e banhos de sangue com requintes de
sadismo seria o fator decisivo para esta atenção privilegiada? O ensaio de uma
crítica à inoperância da polícia, articulada em cenas pseudo cômicas e totalmente
inverossímeis e na interminável sucessão de mal entendidos? A suposta ironia de
uma caçada em que giros improváveis fazem com que o resgate dê errado e a
tragédia apenas se multiplique? Mas não seria tudo isso apenas modulações
casuais de uma expressão genérica local? As discussões que irrompem sem aviso,
nas quais os personagens se agridem verbalmente a ponto de instalar tensões
apenas resolvíveis por meio da força, assim como a lassidão em estabelecer um
ponto de vista moral firme, que permite que a violência atinja intensidades gráficas
bem além do que estamos acostumados no cinema americano, me parecem, se tomados
em seus contornos mais gerais, características compartilhadas por um grande
número de filmes coreanos.
Quando temos a oportunidade de apreciar o cinema de um Bong
Joon-ho, por exemplo, encontramos o alento de nos certificamos uma vez mais do
que é lidar com a noção de autoralidade – sobretudo dentro do cinema de gênero
ou de um cenário cinematográfico que não nos é permitido contemplar em sua
totalidade. Para este conterrâneo de Na Hong-jin, “filme” é uma decorrência da
força da mise en scène, do sentido profundo retirado da interação entre
estilo e relato do mundo. Elemento impossível de ser encontrado em The Chaser,
que não consegue nem ser um filme de ação com a eficiência dos filmes cujos
artesões são mestres na arte de afirmar o seu fazer acima de qualquer outra
coisa.
Tatiana Monassa
|