Incansavelmente, Amos Gitaï segue
fazendo seu cinema consciente de gueto. A carga da necessidade de abordar este
ou aquele assunto mina a eventual mobilidade da imagem e traga o cinema para a
função de adorno da relevância da enunciação. Em Mais Tarde, Você
Vai Entender não é diferente. Embora não haja discurso claro e o roteiro
esteja mais preocupado em costurar situações-comentário a partir de um background histórico e com isso construir um drama familiar, o filme nunca se desvencilha
do fardo da “importância” e da significação de tudo o que ele encena. Desta
forma, a aparente fluidez da câmera, que dança de um lado para outro dentro dos
ambientes (seguindo sempre uma rígida coreografia, não podemos esquecer) e que
parece nem sempre enquadrar perfeitamente seu foco de atenção, é na verdade um
testemunho do peso da História sobre a matéria. Sejam os corpos humanos, sejam
os espaços – ou mesmo os objetos. A operação recorrente de percorrer
lateralmente estes cenários internos enquadrando paredes e deixando a tela
negra por longos segundos, para então encontrar os personagens através de
aberturas como portas, metaforiza a escavação de segredos familiares que
empreende o personagem. A atmosfera ganha assim uma densidade assustadora;
densidade que, ao invés de conferir sentido a tudo o que é filmado, apenas
engessa a ficção.
Victor, o personagem principal, é um
homem perdido em gestos quase protocolares. Nunca chegamos a conhecer seus
motivos ou a intuir o que o move. A câmera não estabelece pacto com nada que
filma e freqüentemente temos a impressão de estar assistindo a uma peça de
teatro filmada com pompa. Ainda assim, quando deixa um pouco de lado a pseudo trama
investigativa que Victor tenta levar adiante sem que ninguém de fato lhe dê
suporte e detém-se em detalhes expressivos dos atores, Gitaï consegue belos
momentos. Como aquele em que Jeanne Moreau leva os netos para a sinagoga e lhes
mostra a estrela de pano que portava durante a Ocupação. Ali, o mistério dos
rostos enquadrados em close, as rusgas na voz da atriz e a energia do culto que
prossegue em off criam uma cena de impacto admirável, na qual as
palavras transcendem seu contexto imediato e ressoam pra bem além do restrito
circuito fechado das questões do universo judeu.
Tatiana Monassa
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