MAIS TARDE, VOCÊ VAI ENTENDER...
Amos Gitaï, Plus tard, França/Alemanha, 2008

Incansavelmente, Amos Gitaï segue fazendo seu cinema consciente de gueto. A carga da necessidade de abordar este ou aquele assunto mina a eventual mobilidade da imagem e traga o cinema para a função de adorno da relevância da enunciação. Em Mais Tarde, Você Vai Entender não é diferente. Embora não haja discurso claro e o roteiro esteja mais preocupado em costurar situações-comentário a partir de um background histórico e com isso construir um drama familiar, o filme nunca se desvencilha do fardo da “importância” e da significação de tudo o que ele encena. Desta forma, a aparente fluidez da câmera, que dança de um lado para outro dentro dos ambientes (seguindo sempre uma rígida coreografia, não podemos esquecer) e que parece nem sempre enquadrar perfeitamente seu foco de atenção, é na verdade um testemunho do peso da História sobre a matéria. Sejam os corpos humanos, sejam os espaços – ou mesmo os objetos. A operação recorrente de percorrer lateralmente estes cenários internos enquadrando paredes e deixando a tela negra por longos segundos, para então encontrar os personagens através de aberturas como portas, metaforiza a escavação de segredos familiares que empreende o personagem. A atmosfera ganha assim uma densidade assustadora; densidade que, ao invés de conferir sentido a tudo o que é filmado, apenas engessa a ficção.

Victor, o personagem principal, é um homem perdido em gestos quase protocolares. Nunca chegamos a conhecer seus motivos ou a intuir o que o move. A câmera não estabelece pacto com nada que filma e freqüentemente temos a impressão de estar assistindo a uma peça de teatro filmada com pompa. Ainda assim, quando deixa um pouco de lado a pseudo trama investigativa que Victor tenta levar adiante sem que ninguém de fato lhe dê suporte e detém-se em detalhes expressivos dos atores, Gitaï consegue belos momentos. Como aquele em que Jeanne Moreau leva os netos para a sinagoga e lhes mostra a estrela de pano que portava durante a Ocupação. Ali, o mistério dos rostos enquadrados em close, as rusgas na voz da atriz e a energia do culto que prossegue em off criam uma cena de impacto admirável, na qual as palavras transcendem seu contexto imediato e ressoam pra bem além do restrito circuito fechado das questões do universo judeu.


Tatiana Monassa