VIAGEM AOS PIRENEUS
Arnaud e Jean-Marie Larrieu, Le Voyage aux Pyrenées, França, 2008

Há algo de maravilhoso no cinema dos irmãos Larrieu que é um tanto difícil de definir; um desejo de crônica, um humor particular, um não-medo do ridículo, a auto-confiança de quem não se leva muito à sério. Mas talvez haja algo além que permite que seus filmes destilem esse prazer “básico” da narrativa, que nos envolve profundamente sem que nunca percamos sua dimensão de construção. Arriscaria dizer que este algo está em seu sentido de cenicidade e de jogo de representação. Os personagens talvez encontrem-se sempre em um estado de semi auto-consciência, no qual a dimensão do ator projetaria uma sombra no puro desenrolar naturalista dos fatos. Se isso for possível, Viagem aos Pireneus seria uma amostra exemplar desta proposta.

Sabine Azéma e Jean-Pierre Daroussin interpretam dois atores famosos que saem de férias e, para tentar escapar do assédio do público, procuram se passar por pessoas comuns. O jogo de ser-não ser, de se fingir outro, instala um clima de artificialidade jocosa entre os personagens, que, face a desentendimentos, levam a lógica do outro para onde bem entendem, ao invés de entrarem em embate. Logo nos vemos mergulhados num vale-tudo que parece movido a escrita automática; o surrealismo das situações se encadeia, atingindo um paroxismo. O amplo cenário natural afirma-se então um palco de teatro. A frontalidade da câmera reduz de tal forma o escopo da cena, que o vasto ambiente montanhoso nunca ganha realmente ares de imensidão desconhecida – ou mesmo ameaçadora.

E é aí que o mágico se manifesta. Numa fenda dentro do quadro, nos blackouts da imagem que os Larrieu tanto gostam de filmar – e dos quais tiram uma força absolutamente singular. O jogo entre conhecido e desconhecido é para eles um elemento motriz do drama, que por fim se constrói sempre em pequena escala, em desvios sutis e ao mesmo tempo violentos em relação ao previsto. E, neste jogo, a natureza tem um papel fundamental. A oposição entre cultura e energia bruta da natureza coloca seus personagens num vértice entre a vida que levam e todas as outras possibilidades não-anunciadas. Há um vazio que os habita enquanto construções à semelhança do homem, vazio este que indaga, justamente, sobre tudo o que eles não são. A dimensão farsesca, portanto, está sempre por perto, tomando de assalto os papéis tradicionais, subvertendo expectativas e, sobretudo, afirmando a potência do falso como instância transformadora.

Tatiana Monassa