Há algo de
maravilhoso no cinema dos irmãos Larrieu que é um tanto difícil de definir; um
desejo de crônica, um humor particular, um não-medo do ridículo, a
auto-confiança de quem não se leva muito à sério. Mas talvez haja algo além que
permite que seus filmes destilem esse prazer “básico” da narrativa, que nos
envolve profundamente sem que nunca percamos sua dimensão de construção.
Arriscaria dizer que este algo está em seu sentido de cenicidade e de jogo de
representação. Os personagens talvez encontrem-se sempre em um estado de semi
auto-consciência, no qual a dimensão do ator projetaria uma sombra no puro
desenrolar naturalista dos fatos. Se isso for possível, Viagem aos Pireneus seria uma amostra exemplar desta proposta.
Sabine Azéma e Jean-Pierre Daroussin interpretam
dois atores famosos que saem de férias e, para tentar escapar do assédio do
público, procuram se passar por pessoas comuns. O jogo de ser-não ser, de se
fingir outro, instala um clima de artificialidade jocosa entre os personagens,
que, face a desentendimentos, levam a lógica do outro para onde bem entendem,
ao invés de entrarem em embate. Logo nos vemos mergulhados num vale-tudo que
parece movido a escrita automática; o surrealismo das situações se encadeia,
atingindo um paroxismo. O amplo cenário natural afirma-se então um palco de
teatro. A frontalidade da câmera reduz de tal forma o escopo da cena, que o vasto
ambiente montanhoso nunca ganha realmente ares de imensidão desconhecida – ou mesmo
ameaçadora.
E é aí que o
mágico se manifesta. Numa fenda dentro do quadro, nos blackouts da
imagem que os Larrieu tanto gostam de filmar – e dos quais tiram uma força absolutamente
singular. O jogo entre conhecido e desconhecido é para eles um elemento motriz
do drama, que por fim se constrói sempre em pequena escala, em desvios sutis e
ao mesmo tempo violentos em relação ao previsto. E, neste jogo, a natureza tem
um papel fundamental. A oposição entre cultura e energia bruta da natureza
coloca seus personagens num vértice entre a vida que levam e todas as outras
possibilidades não-anunciadas. Há um vazio que os habita enquanto construções à
semelhança do homem, vazio este que indaga, justamente, sobre tudo o que eles
não são. A dimensão farsesca, portanto, está sempre por perto, tomando de
assalto os papéis tradicionais, subvertendo expectativas e, sobretudo,
afirmando a potência do falso como instância transformadora.
Tatiana Monassa
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