O PAI DOS MEUS FILHOS
Mia Hansen-Løve, Le Père des mes enfants, França/Alemanha, 2009

Grégoire Canvel vive entre sua família, na qual a ternura está sempre na ordem do dia, e sua produtora de cinema, cujas demandas o consomem para bem além das quatro paredes do modesto escritório. Vida e cinema parecem ser, de fato, duas forças indissociáveis. E é a partir deste pressuposto que Mia Hansen-Løve filma O Pai dos Meus Filhos. A um ponto em que a fruição apaga as fronteiras entre a presença dos atores diante da câmera e o percurso de um roteiro estruturado em cenas e diálogos. Sua tessitura da fluidez se aproxima da de Nanni Moretti, nas idas e vindas frenéticas do personagem principal, e no carinho que pauta a vida familiar – seio da possibilidade de uma existência minimamente sã.

O equilíbrio impossível entre as demandas incessantes de um trabalho como o de produtor de cinema e de uma família numerosa e efusiva é manejado por Grégoire com aparente sabedoria – mesmo nas zonas cinzas em que transita quando a separação entre estas duas “vidas” afirma-se inviável. Mas é chegado o momento em que a morte da possibilidade de seguir trazendo filmes ao mundo o assola por meio de pressões insustentáveis de todos os lados. Grégoire sucumbe, desaparece num buraco negro, escapa de todas as exigências incumpriveis, a um só movimento. Esta fuga, ou suicídio, configura-se como um ponto de ruptura brusco, ao qual Hansen- Løve não saberia dar atenção demasiada, e que ela filma como um acidente de percurso que apenas confere ao filme uma determinada desaceleração, um tempo distendido para se deter em rostos e sentimentos de forma prolongada.

É desta forma que O Pai dos Meus Filhos encontra respiro. E espaço para se indagar verdadeiramente sobre o sentido de se viver cinema. Cada um a seu turno, diferentes personagens ocupam a atenção da imagem, e a vida lhes parece mais cara neste segundo momento. Um bem do qual deve-se cuidar apropriadamente para que não escape num lapso qualquer. E a isto corresponde, evidentemente, o esforço de Sylvia para preservar a memória do marido através da ingerência de seus negócios interminados, do cumprimento de suas vontades deixadas em suspenso. A dor cede então lugar ao trabalho, novamente ele. Ligações, contatos, negociações. O fazer do cinema envolve necessariamente um labor incessante, uma dedicação de corpo e alma, especialmente nas caldeiras, no subsolo que guarda as máquinas que preparam o terreno para o artista. Por fim, não há nada de romântico nas atividades da produtora, a despeito da visão nobre e sensível que Grégoire aplicava a suas escolhas.

Embora O Pai dos Meus Filhos se aproxime o trabalho de um Olivier Assayas, especialmente quando este filma a dor burguesa em Horas de Verão, Hansen-Løve eleva seu filme além das discussões sobre as implicações de uma classe na edificação cultural de uma nação ou da edificação de uma narrativa fluida de olhar doce e complacente para com os personagens. Seu interesse na cena como possibilidade de manifestação da graça de um ator faz com que o momento-a-momento de O Pai dos Meus Filhos seja muito mais contundente do que sua proposição formal ou sua estrutura narrativa. E é isso que faz dele precisamente mais uma experiência cinematográfica agradabilíssima do que qualquer outra coisa.


Tatiana Monassa