Grégoire Canvel vive entre sua família, na qual a ternura está
sempre na ordem do dia, e sua produtora de cinema, cujas demandas o consomem
para bem além das quatro paredes do modesto escritório. Vida e cinema parecem
ser, de fato, duas forças indissociáveis. E é a partir deste pressuposto que Mia
Hansen-Løve filma O Pai dos Meus Filhos. A um ponto em que a fruição
apaga as fronteiras entre a presença dos atores diante da câmera e o percurso
de um roteiro estruturado em cenas e diálogos. Sua tessitura da fluidez se
aproxima da de Nanni Moretti, nas idas e vindas frenéticas do personagem
principal, e no carinho que pauta a vida familiar – seio da possibilidade de uma
existência minimamente sã.
O equilíbrio impossível entre as demandas incessantes de um
trabalho como o de produtor de cinema e de uma família numerosa e efusiva é
manejado por Grégoire com aparente sabedoria – mesmo nas zonas cinzas em que transita
quando a separação entre estas duas “vidas” afirma-se inviável. Mas é chegado o
momento em que a morte da possibilidade de seguir trazendo filmes ao mundo o
assola por meio de pressões insustentáveis de todos os lados. Grégoire sucumbe,
desaparece num buraco negro, escapa de todas as exigências incumpriveis, a um
só movimento. Esta fuga, ou suicídio, configura-se como um ponto de ruptura
brusco, ao qual Hansen- Løve não saberia dar atenção demasiada, e que ela filma
como um acidente de percurso que apenas confere ao filme uma determinada
desaceleração, um tempo distendido para se deter em rostos e sentimentos de
forma prolongada.
É desta forma que O Pai dos Meus Filhos encontra
respiro. E espaço para se indagar verdadeiramente sobre o sentido de se viver
cinema. Cada um a seu turno, diferentes personagens ocupam a atenção da
imagem, e a vida lhes parece mais cara neste segundo momento. Um bem do qual
deve-se cuidar apropriadamente para que não escape num lapso qualquer. E a isto
corresponde, evidentemente, o esforço de Sylvia para preservar a memória do
marido através da ingerência de seus negócios interminados, do cumprimento de
suas vontades deixadas em suspenso. A dor cede então lugar ao trabalho,
novamente ele. Ligações, contatos, negociações. O fazer do cinema envolve
necessariamente um labor incessante, uma dedicação de corpo e alma, especialmente
nas caldeiras, no subsolo que guarda as máquinas que preparam o terreno para o
artista. Por fim, não há nada de romântico nas atividades da produtora, a
despeito da visão nobre e sensível que Grégoire aplicava a suas escolhas.
Embora O Pai dos Meus Filhos se aproxime o trabalho de
um Olivier Assayas, especialmente quando este filma a dor burguesa em Horas
de Verão, Hansen-Løve eleva seu filme além das discussões sobre as
implicações de uma classe na edificação cultural de uma nação ou da edificação
de uma narrativa fluida de olhar doce e complacente para com os personagens. Seu
interesse na cena como possibilidade de manifestação da graça de um ator faz
com que o momento-a-momento de O Pai dos Meus Filhos seja muito mais
contundente do que sua proposição formal ou sua estrutura narrativa. E é isso
que faz dele precisamente mais uma experiência cinematográfica agradabilíssima
do que qualquer outra coisa.
Tatiana Monassa
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